Laurent Fabius anunciou esta quarta-feira de manhã que está demissionário. Às perguntas dos jornalistas, que o rodearam após mais uma reunião do Executivo para saber se aquele era o "seu último Conselho de Ministros", o ministro francês dos Negócios Estrangeiros respondeu laconicamente: "Sim".
A saída de Laurent Fabius não assume os mesmos contornos de dissidência e era já esperada. Os seus quase quatro anos à frente da pasta dos Negócios Estrangeiros ficam marcados pelo sucesso da Cimeira do Clima no final de 2016, em Paris, e pelo acordo nuclear com o Irão em julho de 2015.
Fabius deverá aliás permanecer respnsável pelo dossier do Clima até finais de 2016. Com 69 anos, deverá ainda tornar-se agora presidente de Conselho constitucional após 30 anos de carreira.
O mais jovem primeiro-ministroO ainda responsável pela diplomacia francesa deverá assumir a presidência do Conselho Constitucional, cuja função é velar pela constitucionalidade das leis e pela realização de eleições e referendos.
Peso pesado da vida política francesa, Laurent Fabius ostenta no seu curriculum a honra de ter sido o mais novo primeiro-ministro de sempre, entre 1984 e 1986, sob a primeira Presidência de François Miterrand: tinha 37 anos e já dez anos de vida militante, de autarca e de ministro do Orçamento, em 1981.
O seu mandato fica marcado pelo escândalo do sangue contaminado com o vírus VIH, quando o Centro Nacional de transfusões sanguíneas distribuiu em 1985 lotes contaminados. Investigado pela Procuradoria, Fabius é ilibado em 1999.
No seu percurso político, Fabius só não irá passar pela suprema magistratura. Mas apesar das suas influência e experiência acumuladas, irá ser mesmo assim afastado do secretariado nacional do PS francês, ao defender o não no referendo de 2005 sobre a Constituição Europeia, em contradição com a linha oficial do partido.
O episódio aprofunda a rivalidade com François Hollande, na altura secretário-geral do PSF e atualmente Presidente da República. Os dois homens sempre se detestaram mas, depois de Fabius assumir a pasta dos Negócios Estrangeiros, tornando-se número dois do Governo, nunca a animosidade recíproca transpareceu.
Dossiers conturbados
Um estreante em política externa, Fabius foi, logo depois de assumir a pasta, bombardeado com múltiplas crises: as guerras civis da Síria e da Líbia, os desequilíbrios provocados pela Primavera Árabe no Médio Oriente, o avanço das milícias islâmicas no Mali, a turbulência na República Centro-africana e o desmembramento da Ucrânia.Se os conflitos africanos vão ser deixados para o ministro da Defesa, Jean-Yves Le Drian, já a posição da Síria em 2011, de exigência de demissão e exílio do Presidente Bashar al-Assad, terá de se alterar e adaptar ao longo dos anos.
No dossier iraniano, dirigido sobretudo pelos Estados Unidos e por Teerão, França irá assumir ter tido um papel chave na conclusão de um acordo "robusto" entre as partes, que viria a permitir o levantamento das sanções.
Em janeiro de 2016, no regresso de Teerão aos mercados, o périplo do Presidente iraniano à Europa irá incluir a França e redundar na celebração de vários contratos de milhares de milhões de euros com empresas francesas da área petrolífera, ferroviária, automóvel e de aviação.
A diplomacia económica é aliás uma das prioridades de Laurent Fabius, que, numa remodelação governamental, assume as pastas do Turismo e Comércio Externo.
Discreto e corrosivo
Nascido a 20 de agosto de 1946 em Paris, numa família de antiquários, Fabius estudou em instituições de elite como a Escola Nacional de Administração. Amante de artes e considerado pérfido com os seus adversários, o político preserva a vida privada, sem comentar, por exemplo, a vida do filho Thomas, frequentador assíduo de casinos e acusado de burla e falsificação de documentos.
Dono de um sentido de humor corrosivo, Fabius afirmou já que, ao abandonar o Quais d'Orsay (a sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros), deixa "um Rolls Royce".
E reage de forma trocista aos rumores persistentes de que estará a sofrer da doença de Parkinson. "Ainda não tinha ouvido essa. Parece-lhe que eu tremo?", reagiu no verão passado durante uma entrevista ao jornal Le Monde.