Moçambique: Visita de Marcelo acontece num momento de turbulência militar

por Lusa

Maputo, 02 mai (Lusa) - A visita do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a Moçambique, a sua primeira ao continente africano, acontece numa altura em que o país atravessa uma preocupante instabilidade política e militar.

Apesar de ter nomeado no seu discurso de tomada de posse a 15 de janeiro de 2015 a manutenção da paz como prioridade, o chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, não conseguiu deter uma escalada de confrontos militares entre as Forças de Defesa e Segurança (FDS) e o braço armado da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido de oposição, em alguns pontos das quatro províncias do centro do país.

Na mesma região, voltou-se a assistir, desde março, a ataques a viaturas civis e militares em vários troços da principal estrada do país, imputados pelo Governo à Renamo, situação que levou as FDS a imporem escoltas militares na circulação de dois troços da principal estrada do país.

"Chegámos a esta situação, devido a profundas deficiências no nosso sistema político, assentes na ideia de que quem ganha, leva tudo. Esta situação interpela-nos sobre a necessidade de repensar o nosso modelo político", disse, à Lusa, Salvador Forquilha, investigador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) de Moçambique.

De permeio, a Renamo e a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, têm trocado acusações sobre uma onda de assassínios supostamente com motivações políticas.

Lembrando as expetativas que a sociedade tinha em relação à reunião do Comité Central da Frelimo, realizada em março, Forquilha, também docente de Ciência Política na Universidade Eduardo Mondlane, considerou sombria a esperança da restauração da estabilidade no curto-prazo.

"O Comité Central defraudou a esperança de que pudesse sair dali um caminho para a paz. A declaração final fala do diálogo como via para o alcance da paz e isso é sombrio, porque durante estes meses todos a Frelimo tem insistido no diálogo, mas o que se tem visto é um agravamento da situação política e militar", afirmou.

Numa análise à conturbada situação por que o país passa, o historiador alemão radicado em Maputo Gerhard Liesegang aponta a militarização do Estado moçambicano como a principal ameaça à paz, alertando para os riscos de uma "fascização "da esfera política no país.

"Parece-me que há um grupo que quer tomar conta de tudo, até dos recursos, sem uma divisão mais aceitável", declarou Liesegang, sugerindo a introdução de um quadro constitucional mais flexível e abrangente, acomodando as exigências dos grupos sociais que se sentem excluídos.

Por seu turno, o politólogo moçambicano João Pereira considera que o país vive um "nível extremo de intolerância política", que evidencia uma contradição entre o discurso do Presidente moçambicano e as ações das FDS.

"O líder da Renamo [Afonso Dhlakama] não vai sair das matas para dialogar enquanto não sentir que há instituições credíveis que garantam a sua segurança", afirmou o politólogo.

João Pereira alerta para as consequências desta cris, considerando que Moçambique corre o risco de acabar submerso numa guerra étnica e atrasar ainda mais o desenvolvimento do país.

"Eu temo que isto acabe numa guerra entre o sul, centro e norte do país", declarou o académico, acrescentando que os desafios económicos que o país enfrenta, com oscilação dos preços das matérias-primas no mercado internacional e as calamidades naturais, já são problemas suficientes.

O recrudescimento da situação militar em Moçambique dá-se na sequência das ameaças da Renamo de tomar o poder à força em seis províncias do centro e norte, onde o principal partido de oposição reclama vitória nas eleições gerais de 2014, acusando a Frelimo de ter protagonizado fraude eleitoral para se manter no poder.

Afonso Dhlakama decidiu voltar às matas de Gorongosa, na província de Sofala, centro do país, depois de ter sido alvo de duas emboscadas na província de Manica, em setembro do ano passado, em que perdeu vários membros da sua comitiva, responsabilizando a Frelimo pelos ataques.

Para os moçambicanos, o regresso de Dhlakama a Gorongosa reavive uma espécie de psicose coletiva de guerra, uma vez que foi a partir dali que o líder da Renamo moveu a guerrilha de 16 anos contra a Frelimo e que só terminou com a assinatura do Acordo Geral de Paz em 1992, com um avassalador saldo social e económico para o país.

Em outubro do ano passado, Dhlakama viu a sua residência na Beira, capital da província de Sofala, ser invadida pela polícia para apreender armamento em posse da guarda da Renamo, determinando o seu regresso à Gorongosa.

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