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Nobel da Paz foi durante três anos ministro da guerra

por RTP
Santos (esq.) em 2008, com o general Mario Montoya, chefe de Estado.Maior que teve de demitir-se devido ao escândalo dos "falsos positivos" John Vizcaino, Reuters

Juan Manuel Santos tem hoje o seu futuro político ligado ao acordo assinado com as FARC. Mas foi, no passado, titular da pasta da Defesa, precisamente num triénio em que se cometeram os crimes de guerra conhecidos como dos "falsos positivos".

A figura de proa da campanha pelo "não" ao acordo de paz, Alvaro Uribe, chefiou em tempos o Governo em que Juan Manuel Santos sobraçava a pasta da Defesa e respondia, assim, pela acção dos militares. Foi uma legislatura de campanha militar sem regras nem escrúpulos, nessa guerra civil de 52 anos, que terá custado globalmente uns 200.000 mortos.

Acontece que foi no período de 2006-2009, com Santos à frente do Ministério da Defesa, que os militares inventaram o que depois ficou conhecido como "falsos positivos".

Para apresentarem relatórios de operações bem sucedidas, para obterem os prémios monetários calculados por cada inimigo abatido e as vantagens de carreira correspondentes a supostos sucessos militares, os oficiais do Exército tinham conveniência em apresentar elevados números de baixas das FARC e do ELN.

Na verdade, porém, não matavam tantos guerrilheiros como diziam e precisavam de apresentar corpos, fosse de quem fosse, que dessem crédito ao número de baixas inimigas alegado nos relatórios. Descobriu-se depois que, para inflacionarem esses números, muitos oficiais do Exército tinham adoptado a prática de matar civis, de vestir os seus cadáveres com uniformes das FARC e de apresentá-los como se fossem de combatentes inimigos.

Desses "falsos positivos", civis abatidos como guerrilheiros, concluiu-se depois que tinha havido uns 3.000.

Foi também durante o período de Santos à frente do Ministério que os militares colombianos bombardearam um campo das FARC em território equatoriano, dando azo a um protesto do país vizinho, e mesmo a um pedido do seu Governo para que Santos fosse extraditado como criminoso de guerra. O Nobel da Paz de 2016 foi, afinal, ministro de uma guerra suja.

Quando Alvaro Uribe decidiu retirar-se da chefia do Governo, cedeu o lugar a Santos sem qualquer convulsão interna. Ele próprio designou Santos como seu sucessor, e o próprio Santos se comprometeu nas suas primeiras declarações a prosseguir a política de extermínio das FARC.

Juan Manuel Santos, formado nas universidades de Harvard e na London School of Economics, tinha porém olhos e ouvidos mais atentos que o seu antecessor às reviravoltas da política norte-americana. Em 2012 operou uma viragem para a negociação com as FARC, partindo do princípio que poderia levá-la a cabo numa posição de força e que o acordo a concluir equivaleria, em termos gerais, a uma capitulação das FARC.

Nessa viragem, Uribe manteve a linha anterior, de alcançar o extermínio das forças adversárias, e conduziu uma campanha que acabou por obter a vitória para o "Não" no referendo. O apego que declarou Santos ao acordo com as FARC, mesmo depois do veredicto das urnas, tornou-se, ironicamente, a mais visível justificação para o prémio que agora lhe foi atribuído.
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