Piloto russo resgatado pelo exército sírio

por Graça Andrade Ramos - RTP
Um F-16 turco levanta da base aérea em Adana, em julho de 2015 Murad Sezer - Reuters

O Ministério da Defesa da Rússia confirma que um dos pilotos do avião abatido terça-feira pela Turquia foi resgatado pelo exército sírio, após uma missão conjunta de forças especiais sírias e russas. O incidente causou brechas graves nas relações entre a Rússia e a Turquia, com eventuais repercussões a nível económico e humanitário. E, avisou o primeiro-ministro russo, pode piorar "perigosamente" as relações do país com a NATO, de que a Turquia é membro.

O resgate do piloto doi anunciado primeiro pelo embaixador da Rússia em França.

"Um dos que estava a bordo ficou ferido quando saltou de paraquedas e foi morto selvaticamente no solo pelos jihadistas da área e o outro conseguiu escapar e, de acordo com as últimas informações, foi resgatado pelo exército sírio e deverá regressar à base aérea russa", afirmou o embaixador Alexander Orlov aos microfones da radio Europe 1, citado pela agência Reuters.

O piloto já chegou entretanto à base e encontra-se bem, sem ferimentos, como confirmou depois o ministro russo da Defesa, Sergueï Choïgou, referindo que o resgate foi concluido por forças especiais.
 
"A operação foi um sucesso. O piloto foi repatriado para a nossa base" de Hmeimim na Síria, declarou Choïgou, citado pelas agências russas e agradecendo a "todos os nossos homens que correram enormes riscos a noite toda" para salvar o piloto.

Terça-feira foi confirmada a morte de um fuzileiro russo durante as operações de resgate dos pilotos.
"Facada nas costas"
Na terça-feira de manhã, caças F-16 turcos abateram um caça bombardeiro russo Su-24M, que alegadamente havia violado o espaço aéreo turco. A Turquia afirma que deu vários avisos antes de abater o aparelho e o Presidente Recep Tayyip Erdogan disse que o país agiu para defender a sua soberania.

O Presidente russo Vladimir Putin rejeitou as acusações e descreveu o incidente como "uma facada nas costas, levada a cabo contra nós por cúmplices dos terroristas".

Dados publicados pela Rússia mostram o seu avião em manobras sobre o espaço aéreo sírio, legitimadas por Damasco, e sem nunca entrar em espaço aéreo turco.

Os pilotos ejetaram-se antes do aparelho se despenhar. Um deles foi atingido a partir do solo e acabou por morrer. O outro, de acordo com informações agora divulgadas, foi salvo por soldados sírios.

O aparelho despenhou-se em território sírio, embora algumas partes do aparelho tenham caído em solo da Turquia, ferindo dois cidadãos turcos.
Proteção reforçada
Em reação, a Rússia enviou para o mar da Síria o contra-torpedeiro Moskva equipado de sistemas anti-aéreos e com ordens para abater potenciais ameaças.

O ministro da Defesa russo anunciou esta quarta-feira que também vai ser colocado na base aérea da Rússia em Latakia, na Siria, o sistema de defesa aérea anti-mísseis S-400.

Além destas medidas, os aviões bombardeiros russos irão a partir de agora voar sob escolta de caças.

A Rússia garante que não vai parar com as suas operações na fonteira da Turquia com a Síria.


O incidente agravou tensões entre a Turquia e a Rússia e pode não só envolver a NATO como pôr em causa esforços internacionais para resolver a guerra civil síria.
Evitar escalada
A chanceler Angela Merkel tentou esta quarta-feira acalmar os ânimos, em declarações perante a câmara baixa do Parlamento alemão.

"A situação agravou-se pelo abate de um avisão russo pela Turquia", reconheceu Merkel.

"Devemos fazer tudo para evitar uma escalada da situação", afirmou. " Claro que todos os países têm o direito a defender o seu território mas por outro lado sabemos a tensão que se vive na Síria e na área circundante. Falei ontem como primeiro-ministro turco e pedi-lhe para fazer tudo para desescalar a situação", revelou a chanceler.

Esta quarta-feira, o Presidente turco Racep Tayyip Erdogan disse em Istambul, durante um econtro com investidores, que o seu país não quer uma escalada depois do incidente com o avião russo, mas sublinhou que a ação se destinou siplesmente a defender as fronteiras da Turquia e "os direitos dos nossos irmãos" na Síria.
Ameaças russas
A Rússia, contudo, endureceu o tom. Além das medidas de segurança reforçadas, o primeiro-ministro Dmitry Medved condenou esta manhã o abate do bombardeiro como um "acto criminoso precipitado", que vai piorar "perigosamente" as relações entre a Rússia e a NATO, "de uma forma que não se justifica por nenhuma razão, incluindo a proteção das fronteiras estatais."

Para Medvedev, o incidente prova, em segundo lugar, que Ancara está a proteger a organização terrorista Estado Islâmico.

"As ações da Turquia basicamente provam que protege o grupo ISIL", referindo-se a sigla Estado Islâmico da Síria e do Levante ou autodenominado Estado Islâmico. "Isto não é nada surpreendente, se tivermos em conta relatórios que certos responsáveis turcos têm  vastos interesses no petróleo barato proveniente do território do Estado Islâmico".

Em terceiro lugar, disse Medvedev, o incidente coloca em causa as relações amigáveis entre a Rússia e a Turquia, incluindo nas esferas económica e humanitária.

"Estes prejuízos vão ser difíceis de compensar e uma das consequências imediatas poderia ser a recusa de uma série de importantes projetos conjuntos e a perda de posições das empresas turcas nos mercados russos", acrescentou Medvedev.Acusações de Medvedev são a ponta do iceberg
A agência oficiosa russa SputnikNews confirma a linha discursiva de Medvedev, citando os jornalistas britânicos Nafeez Ahmed e Stuart Ramsay.

Estes avançam com a tese de que a Turquia apoia o "Estado Islâmico" e outros grupos jihadistas, nomeadamente com uma verdadeira indústria de passaportes falsificados, já em número de quase uma centena de milhares, utilizados para a preparação de atentados terroristas como o mais recente de Paris.

Ramsay traça também um historial de fornecimentos de armas por parte do Exército turco aos jihadistas sírios, que faz remontar ao ano de 2011, citando um documento dos serviços secretos turcos.

Inversamente, a Turquia terá facilitado ao "Estado Islâmico" negócios de venda de petróleo no valor de 1.000 milhões de dólares - também no seu próprio interesse, de aquisição de parte desse petróleo a preços abaixo dos de mercado.
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