Procuradoria-Geral alemã acusada de atentar contra a liberdade de expressão

por RTP
O procurador-geral, Harald Range Ralf Stockhoff , Reuters

Saiu pela culatra, o tiro da Procuradoria-Geral alemã contra os bloggers que divulgaram documentos dos serviços secretos. Ao argui-los por "traição à pátria", a Procuradoria atraiu sobre si própria um amplo protesto, da esquerda à direita.

A divulgação de documentos dos serviços secretos alemães vem na sequência da acesa discussão em torno da espionagem levada a cabo na Alemanha pela agência norte-americana NSA, e em torno da alegada cumplicidade dos serviços alemães com essa espionagem.

O procurador-geral Harald Range recusou-se a investigar as actividades da NSA e, contraditoriamente, apressa-se agora a arguir os bloggers que se debruçam sobre o assunto.""Traição à pátria"
A acusação de "traição à pátria" poderia, teoricamente, custar aos bloggers Markus Beckedahl e Andre Meister pelo menos um ano de prisão.

O deputado verde Konstantin von Notz, citado em Der Spiegel, manifestou o seu apoio ao blogg acusado e acrescentou sarcasticamente: "Acabo de apoiar uma associação traidora à pátria. Vocês podem fazer o mesmo". E junta o NIB do blogg Netzpolitik.org, para lhe serem enviadas contribuições financeiras.

Mas, entre os milhares de utilizadores do Twitter que apoiam os bloggers sob o hashtag #Landesverrat#, contam-se também deputados da direita, como o liberal Christian Lindner (FDP), que compara a fúria persecutória da Procuradoria alemã com aquela que desencadeou, há mais de meio século, o "Caso Spiegel".

Igualmente no Twitter, o vice-presidente do SPD, Ralf Stegner, comentava: "A traição à pátria por jornalistas deve ser uma piada de mau gosto. O último 'descalabro da traição à pátria' foi com o Caso Spiegel do F.J. Strauß".

Mesmo o comissário federal para a Protecção de Dados, Peter Schaar, veio a terreiro afirmar que a iniciativa da Procuradoria mina a confiança no funcionamento do Estado de Direito.
Ministro contra procurador
Enfim, o ministro da Justiça social-democrata, Heiko Maas, citado por Die Zeit, deu a conhecer a notícia mais bombástica: "Comuniquei hoje ao procurador-geral que tenho dúvidas de que os jornalistas tenham alimentado com a publicação intenções de prejudicar a República Federal da Alemanha ou de favorecer uma potência estrangeira".

Sendo assim, prossegue o ministro, mandou "verificar se os documentos publicados contêm segredos de Estado, cuja publicação ocasione perigo de um grave prejuízo para a segurança da República Federal da Alemanha".

Enfim, o ministro anunciou que quer reexaminar o espírito dos diplomas legais referentes à "traição à pátria", tendo presente o valor inestimável que constitui a liberdade de imprensa. Com uma nota de ironia, Maas afirma querer verificar "se as disposições penais sobre traição à pátria e sobre a protecção de segredos de Estado em relação com a liberdade de imprensa estão precisados de reformulação".
Imprensa ergue-se contra a Procuradoria
Uma das primeiras organizações a repudiar com veemência o processo movido contra os bloggers foi a Associação Alemã de Jornalistas, que o considerou "uma tentativa inadmissível de para silenciar dois colegas críticos".

E também os principais meios de comunicação alemães saltaram em defesa dos arguidos. O site do semanário Die Zeit perguntou, retoricamente: "Traição à pátria? Não, o 'Netzpolitik.org' defende a democracia".

No mesmo sentido, o site de Der Spiegel diz que "eles mereceram a nossa solidariedade" e o emblemático taz (tageszeitung) diz: "Só se os serviços secretos se sentem muito seguros dos seus procedimentos extralegais é que eles podem ousar atacar tão abertamente um projecto jornalístico tão popular e tão bem divulgado em rede como é o Netzpolitik.org".
Tiro pela culatra
O blog tem ganho uma invulgar popularidade graças à cobertura que dá regularmente às audições parlamentares sobre a NSA. A reacção do público à notícia do processo tem confirmado esta popularidade.

Para já está marcada para amanhã, sábado, uma manifestação de apoio aos dois bloggers, que já alguém compara ao infeliz colega saudita, açoitado na praça pública por alegada blasfémia.

Além da iniciativa de rua, está em curso uma acção de recolha de contribuições financeiras para organizar a defesa dos dois arguidos. O caudal das contribuições permitirá medir o sentimento de apoio mas, para já, é a quantidade de acessos ao blog que está a ser reveladora.

E esta tem sido de tal ordem que o Netpolitik.org se viu completamente superlotado e teve de reencaminhar os seus visitantes para um outro sítio ironicamente designado como Landesverrat.org - a ironia está na tradução: Landesverrat pode ser livremente traduzido como "traição à pátria".
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