Rogério Lobato admite que tráfico de diamantes em Angola era para comprar armas

por Lusa

Díli, 21 nov (Lusa) - O primeiro ministro da Defesa de Timor-Leste, Rogério Lobato, disse à Lusa que o tráfico de diamantes em que participou em Angola, pelo qual cumpriu seis anos de prisão, pretendia financiar o envio de armas para o território.

"Digo-lhe francamente, eu fiz aquilo não para me enriquecer. Penso que fiz um juízo errado", disse à Lusa, admitindo que o objetivo inicial era financiar um navio de pesca para vir das Canárias a Timor. "Claro que não vinha só pescar, trazia algumas coisas a bordo. Isso era o projeto inicial".

O navio nunca chegou a vir porque Rogério Lobato é preso e condenado a uma pena de seis anos de prisão, um período que diz ter sido de "maus bocados, tristes e de grande humilhação".

"Eu reconheço isso como parte da minha história pessoal, da minha dedicação à luta. Não guardo rancor a ninguém, tanto mais que depois disso já voltei a Angola, fui recebido com todas as honras, fui até ao sítio onde estive preso", garantiu.

O projeto do navio foi uma de muitas tentativas de Rogério Lobato cumprir a missão com que tinha saído de Timor-Leste "a 03 ou 04 de dezembro de 1975" - o de conseguir apoio militar para Timor-Leste.

Apesar da disponibilidade mostrada por vários países, nomeadamente China, Angola e Moçambique, Lobato garante que o braço armado da resistência timorense, as Falintil, nunca recebeu armamento do exterior.

"Não, nunca. Eu consegui armamento. Consegui armamento na China. E nós tivemos apoio não apenas militar, como financeiro. Apoio militar para armar à vontade 7 mil homens e na altura era um apoio substancial, só que a guerra em Timor-Leste teve lugar numa conjuntura internacional muito desfavorável para Timor-Leste", sublinhou.

Rogério Lobato recorda que a China disse que não tinha condições de fazer chegar o material a Timor - "não se queria envolver em conflitos com os Estados Unidos" - e o apoio do Vietname e Camboja foi essencialmente político.

"O arsenal que tínhamos era do exército português e de algum que íamos capturando das infiltrações da Indonésia na fronteira, mas não dava para fazer uma luta prolongada", disse.

"Naturalmente que numa guerra de posição as forças têm de ser continuamente abastecidas de material. Nós gastávamos o nosso material de guerra sem sermos reabastecidos, enquanto a Indonésia tinha um reabastecimento ilimitado das suas forças. Tinha uma retaguarda muito grande e podia ser reabastecida facilmente", afirmou.

Tentou várias opções, chegando a discutir as alternativas para "apoiar a luta armada em Timor e introduzir o armamento em Timor" com o primeiro ministro da Defesa angolano, Henrique Teles "Iko" Carreira e o também ministro da Defesa Pedro Maria Tonha "Pedalé" e o ministro da Defesa moçambicano Alberto Chipande.

"Uma das hipóteses era lançar o armamento em para-quedas e o general Iko disse que isso era muito fácil de fazer, dar a localização aos aviões que se deslocam para o local através de um polígono de fogueiras durante a noite, ou através de reflexão de espelhos", afirmou.

Lobato garante que tinha armamento à vontade, com "vários paióis, um barco inteiro", fornecido pela China e que teve que guardar em Moçambique, a que se somava o que Luanda e Maputo também tinham disponibilizado.

"O senhor nem imagina. Eu estive hospedado em casa de Kaúlza de Arriaga (general e antigo comandante militar das tropas coloniais portuguesas em Moçambique), em Nampula, só para visitar os paióis que os portugueses deixaram de armamento. Moçambique colocou todo aquele arsenal à nossa disposição", recordou.

"Estávamos bastante afastados da realidade. Porque, só para trazer um avião de Moçambique tínhamos de reabastecer em algum sítio e tínhamos que sobrevoar zonas controladas pelo inimigo", ironiza.

Frustrado por não conseguiu canalizar o apoio para Timor-Leste - "não ia trazer para aqui bolinhos para os indonésios" - Lobato acaba por se distanciar cada vez mais dos outros líderes da Frente de Libertação do Timor-Leste Independente (Fretilin) na diáspora.

"Penso que fiz o erro de não ter comunicado isso aos meus colegas, aos meus colegas. Sabe, a luta era difícil e a uma dada altura começamos a ficar um pouco divididos. Tivemos os nossos problemas em Maputo e isso de certa forma afastou-nos um bocadinho. E eu como era responsável militar pensava que podia fazer as coisas por decisão própria", afirmou.

"Houve um afastamento entre mim e todos os outros, porque eu defendia de facto que tínhamos de encontrar uma forma de entrar em Timor. Eu tinha a minha família toda cá (em Timor), a minha mulher, os meus pais, os meus irmãos", disse, acrescentando que como militar sentia que tinha a obrigação de fazer alguma coisa para entrar em Timor.

"A minha preocupação foi encontrar formas de entrar em Timor e foi nessa altura que eu me envolvi nessa atividade dos diamantes", explica.

Lobato diz que usou o tempo na prisão - "uma fase negra" - para dar aulas de matemática e garante que não guarda rancor.

"Não fiz isso para me enriquecer ilicitamente, tanto mais que continuo pobre, como antes. Se eu tivesse conseguido concretizar esse plano, talvez tivesse feito alguma coisa por Timor", concluiu.

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