Shimon Peres despede-se de um mundo de "paz inacabada"

por Andreia Martins - RTP
Com honras de cerimónia de estado, Shimon Peres permanece agora no cemitério nacional de Mount Herzl, em Jerusalém Baz Ratner - Reuters

As cerimónias fúnebres de Shimon Peres realizaram-se esta sexta-feira em Jerusalém com a presença das mais distintas figuras e líderes políticos a nível mundial, entre eles o Presidente norte-americano Barack Obama e o líder da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas.

Com honras de cerimónia de Estado, Shimon Peres permanece agora no cemitério nacional de Mount Herzl, numa secção reservada aos “grandes da nação”. Shimon Peres tinha 93 anos e ocupou quase todos os mais importantes cargos políticos em Israel: foi ministro de várias pastas em diversos governos, primeiro-ministro interino, primeiro-ministro e Presidente (2007-2014).

O estadista foi um dos “pais fundadores” de Israel e tinha sofrido um AVC a 13 de setembro. Encontrava-se hospitalizado desde então e acabou por morrer na última quarta-feira.

Shimon Peres percorreu vários cargos políticos em Israel e foi protagonista dos acordos de Oslo, assinados com os palestinianos em 1990, o que lhe valeu a atribuição do Nobel da Paz, quatro anos mais tarde.

Peres vai agora ficar entre Yitzhak Rabin e Yitzhak Shamir, antigos chefes de governo de Israel. Yitzhak Rabin, na altura primeiro-ministro, foi assassinado por um ultranacionalista israelita em 1995, na sequência dos acordos de paz alcançados com o então líder palestiniano, Yasser Arafat.

Para a cerimónia, as autoridades israelitas destacaram um forte dispositivo de segurança, com mais de oito mil polícias. As principais estradas entre o aeroporto de Telavive e Jerusalém foram temporariamente encerradas para a passagem da comitiva norte-americana.
Fátima Marques Faria, Rui Magalhães - RTP
Um trabalho por terminar
Obama fez questão de sublinhar que a paz entre israelitas e palestinianos continua "inacabada". Num dos elogios fúnebres mais esperados da manhã, o líder norte-americano notou que a presença de Abbas no funeral lembra que o conflito ainda não terminou e que a paz está por alcançar.

“Peres mostrou-nos que a justiça e a esperança estão no cerne da ideia sionista”, apontou Obama.

Num discurso de quase 20 minutos, o Presidente norte-americano enfatizou que o principal legado de Peres é a busca incessante pela paz e a resolução definitiva do conflito israelo-palestiniano.

"Mesmo num contexto de ataques terroristas, mesmo após repetidas desilusões à mesa das negociações, Shimon Peres insistiu que os palestinianos, como seres humanos, deveriam ser vistos como iguais aos judeus em termos de diginidade, e por isso iguais no que diz respeito à sua autodeterminação", realçou.

Barack Obama colocou ainda Shimon Peres na categoria de outros "gigantes do século XX" que teve a honra de conhecer, comparável à grandeza do líder sul-africano Nelson Mandela.


Kevin Lamarque - Reuters

Obama chegou na manhã desta sexta-feira a Telavive e deslocou-se a Jerusalém, acompanhado por John Kerry, o secretário de Estado norte-americano, e Bill Clinton, antigo Presidente dos Estados Unidos, que supervisionou a assinatura dos acordos de Oslo entre israelitas e palestinianos.

Em 2012, Barack Obama tinha concedido a Peres a “Medalha da Liberdade”, a distinção civil mais elevada nos Estados Unidos. Na quarta-feira, aquando da notícia da morte do antigo estadista, o líder norte-ameriano lembrou o "amigo".
Cumprimento entre Abbas e Netanyahu
Entre outras figuras de destaque, estiveram presentes o Presidente francês, François Hollande, a chanceler alemã Angela Merkel, o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, o príncipe Charles, os antigos líderes britânicos Tony Blair e David Cameron e ainda o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau. Portugal esteve representado na cerimónia por Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros.

Bill Clinton, que supervisionou os acordos de Oslo entre israelitas e palestianos da Casa Branca, recordou o “amigo” como um “sonhador otimista” de “sorriso luminoso”.

“Tinha uma capacidade interminável de ver para além dos reveses mais esmagadores. Peres começou a sua vida como o mais brilhante estudante de Israel, tornou-se no seu melhor professor e terminou como o seu maior sonhador”, referiu o antigo Presidente.


Kevin Lamarque - Reuters

No discurso perante quase uma centena de convidados ilustres, o primeiro-ministro israelita referiu que "Shimon viveu uma vida com objetivos. Ergueu-se a alturas incríveis. Convenceu muitos com a sua visão e a sua esperança".

Benjamin Netanyahu lembra "um grande homem de Israel, um grande homem do mundo. Israel chora-o, o mundo chora-o". "Encontramos esperança no seu legado, tal como faz o mundo", acrescenta o líder.

O primeiro-ministro israelita não deixou, no entanto, de evocar as suas divergências políticas com o histórico líder. Relembrou, em particular, uma discussão que teve enquanto Peres era Presidente do Estado de Israel.

"Ele disse-me que a paz é a verdadeira segurança e que sem a paz não há segurança. Eu respondi-llhe: Shimon, no Médio Oriente a segurança é uma condição essencial para a paz e para o estabelecimento da paz. Ambos estávamos certos".

Um dos momentos mais simbólicos da cerimónia aconteceu precisamente quanto Mahmoud Abbas, o líder da Autoridade Palestiniana, apertou a mão de Benjamin Netanyahu, logo no início das celebrações.

Vários repórteres presentes retiveram a breve troca de palavras e aperto de mão. “Há muito tempo, há muito tempo”, referiu o líder palestiniano.

Em resposta, Netanyahu deu as boas vindas a Abbas e agradeceu a sua presença: “É algo que muito apreciamos, digo-o em nome do nosso povo, em nosso nome”.

As negociações de paz entre Israel e Palestina estão congeladas desde 2014. Os dois líderes recusam conversações diretas desde 2010, último ano em que Abbas tinha visitado Jerusalém.
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