Tropas inimigas confraternizaram no primeiro Natal da Grande Guerra

por RTP
Reconstituição da vida nas trincheiras, em vésperas do primeiro centenário da Primeira Grande Guerra Pascal Rossignol, Reuters

Há 99 anos, a Primeira Grande Guerra ia ainda em cinco meses de duração e, mesmo assim, já a caminho de custar a vida a um milhão de soldados. A guerra curta que lhes fora prometida, com esperanças de poderem passar o Natal em casa, ainda estava a começar. O mais que podia haver no primeiro Natal do conflito era uma trégua entre tropas inimigas.

Como recorda a historiadora Margaret MacMillan em artigo publicado no Financial Times, a ideia de um armistício de 24 horas, no dia de Natal, merecera a hostilidade dos comandos militares de ambos os lados das trincheiras. O proponente fora o papa Bento XV, ao pedir "que as armas possam calar-se pelo menos na noite em que cantaram os anjos".

O espírito dominante do lado da Entente e do lado dos impérios centrais continuava a ser o de lutar até à vitória total, que se esperava fosse rápida e decisiva. Mas entretanto já tinham morrido 800.000 soldados - dos quais cerca de 300.000 alemães, 300.000 franceses e 160.000 britânicos. E faltavam ainda quatro anos de uma carnificina sem paralelo na História anterior.

Contudo, para surpresa geral, verificaram-se nesse primeiro Natal da Guerra várias tréguas espontâneas e mesmo encontros de confraternização entre soldados inimigos. Segundo as testemunhas que recordaram o facto em literatura memorialista posterior, houve casos em que os soldados alemães começaram a cantar canções de Natal nas suas trincheiras, ao que os aliados respondiam cantando as suas, geralmente em inglês ou em francês.

Houve casos, sem dúvida, em que a cautelosa aproximação não foi além dessa simultaneidade de canções aparentadas pela música e pelo tema. Assim, o resumo publicado em Der Spiegel de um livro recente de Andrew Davidson relata o caso do batalhão escocês, dito dos "Cameronians", que poucos dias antes tinha sido dizimado pela artilharia alemã próximo da pequena cidade belga de Armentières e que, convidado pelos soldados germânicos a participar num festejo de Natal, se recusou, ressentido ainda com as perdas recentes.

Mas, como as canções de Natal duraram toda a noite, houve a certa altura um dos "Cameronians", aparentemente já tocado pela bebida que se aventurou sozinho pela "terra de ninguém" em direcção aos alemães. A reacção da hierarquia militar britânica foi rápida: o soldado foi logo detido por um oficial de outro batalhão.

Mas também houve diversos casos em que a trégua deu lugar a verdadeiros encontros de confraternização entre as tropas inimigas, apesar da rigorosa proibição emitida pelos oficiais. Na "terra de ninguém", soldados inimigos jogaram futebol. Os jogos são ainda hoje comemorados na cidade belga de Ypres.

A confraternização desse primeiro Natal em guerra repetiu-se ainda no ano seguinte a um nível muito menor, e em 1916 em escala quase insignificante. No último Natal da guerra, o de 1917, já nada sucedeu na frente ocidental. Havia confraternização entre tropas russas e austro-alemãs na frente leste - mas a revolução bolchevique tinha vindo tomar o lugar do Natal como fautora de tréguas e iniciadora de um processo de paz. E teve de vir, já em 1918, a revolução alemã de Novembro derrubar a monarquia e impor um cessar-fogo imediato.


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