Turquia ameaça suspender acordo sobre refugiados

por RTP
Ozan Kose, Reuters

Angela Merkel deslocou-se à cimeira de Istambul para dizer a Erdogan que sem restauração da amputada democracia turca, continuarão a ser precisos vistos para os cidadãos turcos dentro da Europa. Erdogan respondeu-lhe que, sem o fim dos vistos, nada de acordo sobre os refugiados.

Na verdade, a chanceler alemã levava na bagagem um conjunto muito amplo de condições que a União Europeia (UE) quer colocar à Turquia: nada menos de 72, que deveriam ser cumpridas antes de os cidadãos turcos poderem começar a circular livremente no espaço Schengen.

As condições eram muitas mas não eram demasiadas. O seu número corresponde à quantidade e à qualidade das medidas que tem tomado o presidente turco contra órgãos e funções essenciais de um Estado de direito. A mais recente foi o levantamento da imunidade parlamentar aos deputados do partido pró-curdo HDP - cerca de um terço do parlamento.
Europa nas mãos da Turquia: os refugiados
A isenção do visto para os cidadãos turcos deveria, nos termos pré-acordados, verificar-se a partir de 1 de Julho próximo. Merkel esperava obter concessões de Erdogan, que permitissem à União Europeia justificar a confirmação dessa data, sem perder a face perante um regime com tiques autoritários cada vez mais pronunciados.

Mas o presidente turco lançou sobre a mesa o seu trunfo mais forte: sem isenção dos vistos, não haverá acolhimento de refugiados provenientes da Grécia, nos termos que foram combinados com a UE. A declaração de Erdogan foi meridianamente clara, ao afirmar no encerramento da cimeira da ONU sobre refugiados que o parlamento turco não ratificará o acordo sobre os refugiados, se não existir compromisso europeu sobre a data para a isenção dos vistos.

Com o tom de quem se considera seguro da sua autoridade sobre o parlamento, disse Erdogan segundo a tradução publicada em Der Spiegel: "Se as conversações forem frutuosas, muito bem. Se não, será preciso dar um passo no parlamento turco, e a lei para a implementação do acordo de acolhimento não será ratificado".
Europa prepara-se para recuar
A isto acrescentou o chefe da diplomacia turca Mevlüt Çavuşoğlu, segundo o diário turco Hurriyet, que a Turquia não está a fazer bluff nem ameaças vazias. Referindo-se às exigências alemãs de restabelecimento da democracia, afirmou: "Não é realista tratar assim a Turquia, a modo de facto consumado, depois de a Turquia ter mostrado sinceridade e determinação ao dar esses importantes passos".

E acrescentou: "Se chegarmos a acordo, implementaremos o acordo. Toda a gente deveria manter as suas promessas, ou então - e isto não é um bluff ou uma ameaça - poremos de lado todos os acordos que assinámos, incluindo a readmissão [dos refugiados], se vocês não mantiverem a vossa palavra.

Embora não haja ainda notícia de reacção alguma de Angela Merkel à
ameaça mais extrema de suspensão do acordo, o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, dá já alguns sinais de disposição para afrouxar as pressões europeias sobre Ankara.

O mesmo diário Hurriyet refere uma chamada e conversa telefónica de Çavuşoğlu com Timmermans, que teve lugar na noite de ontem, em que acordaram voltar a encontrar-se nos próximos dias em Antalya ou em Ankara, à margem de uma outra conferência da ONU que terá lugar em Antalya.

Aquele diário turco refere uma fonte diplomática, falando a coberto do anonimato, que resume o telefonema entre os dois dirigentes, afirmando que "trocaram ideias sobre a particularidade de implementarem ambos o acordo alcançado com a UE no contexto da migração irregular e da readmissão/liberalização das normas de vistos".

Aquele diário turco classifica como "tempestuosas" as conversações que tiveram lugar nestes dias entre Merkel e Erdoğan, que finalmente conduziram à conveniente conclusão de que a Turquia deve realizar conversações com a UE sobre a "luta contra o terrorismo", ao mesmo tempo que se tenta manter vigente o acordo sobre os refugiados.

Mas o cepticismo sobre esta saída airosa rapidamente se manifestou na sugestão de que a Turquia poderia, além de suspender o acordo sobre os refugiados, cancelar o acordo de união aduaneira a que chegara com a UE.
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