Valões resistem ao CETA e deixam Bruxelas numa pilha de nervos

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Eric Vidal - Reuters

A Valónia mantém as suas reticências face ao CETA, o tratado de livre comércio negociado entre a União Europeia e o Canadá, o que está a colocar em causa a assinatura do acordo entre Otava e Bruxelas. A cerimónia está marcada para quinta-feira na capital belga e prevê, para já, a presença do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau. Os representantes da região belga de língua francesa recusam apor a assinatura no texto e invocam tempo para uma negociação. Com o tempo a esgotar-se, o presidente da União Europeia colocou pressão extra sobre os representantes da Valónia: Donald Tusk exige uma resposta até ao final do dia de hoje, mas os valões já haviam feito saber que um prazo razoável para chegar a algum lado com este tratado seria antes do final do ano.

O sinal de que as negociações com o Canadá se encontram numa fase crítica foi o desabafo, este fim-de-semana, da ministra canadiana do Comércio, Chrystia Freeland, quando instou a União Europeia “a fazer o seu trabalho”.

Numa declaração aos jornalistas em que transpareceu uma certa emoção, Freeland lamentou o que estava a suceder no âmbito das negociações do CETA, cuja conclusão aparentava ser fácil: “Fizemos o nosso trabalho, é tempo de a União Europeia fazer o seu”.

Quando tudo parecia preparado para a assinatura do tratado, a Valónia, região francófona do sul da Bélgica, bloqueou as negociações para reclamar mais garantias, em particular para os seus agricultores.

Não é apenas junto da Valónia que o CETA suscita dúvidas. Era até esperado que fosse a partir da Alemanha, onde pendia uma ação no Tribunal Constitucional para impedir a ratificação do tratado, que as maiores resistências se fariam sentir. Tem sido na rua alemã que milhares vêm contestando tratados como o CETA e o TTIP (Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento), dito irmão norte-americano do CETA, negociado entre Bruxelas e Washington e que também se encontra num impasse. Paul Magnette, ministro-presidente da Valónia, explicou que as negociações entre a Comissão Europeia e o Canadá duraram sete anos e que a Valónia só começou a negociar com Bruxelas no início de outubro, apesar de o parlamento valão expressar as suas preocupações desde há meses.


No entanto, acabaram por ser os valões a colocar essa areia na engrenagem do primeiro dos grandes tratados de comércio a serem negociados com a União Europeia. Com Bruxelas a olhar para o relógio, a região belga exigiu tempo suplementar para negociar os termos do acordo.

O CETA, como o TTIP, são tratados que além das perspectivas comerciais transfiguram a paisagem político-democrática da Europa: através das cláusulas sobre arbitragem de conflitos (ISDS), que permitem às grandes multinacionais processarem Estados sempre que considerem estar em causa o seu lucro.

Suscitam desconfiança também as interferências com o sistema legislador dos europeus, com os críticos a apontarem aos grandes lobbies a capacidade de definir novas leis (laborais) ou mesmo de alterar as antigas em proveito da indústria; ou a entrada de produtos no espaço europeu que não respeitam as regras de segurança, de saúde e ambientais que há décadas fazem parte da “tradição humanista” do Velho Continente.

Ultrapassadas que estavam as dificuldades levantadas pela Roménia e pela Bulgária, foi num destes pontos que os valões empancaram. Paul Magnette, líder regional da Valónia, explicava na semana passada serem “insuficientes” as garantias do Canadá, em particular no departamento da resolução de conflitos através de tribunais de arbitragem (ISDS).

“Estávamos a entender-nos bem, a ter uma discussão construtiva com os canadianos, mas não nos pudemos entender sobre o tempo, o que lamento. Disse que a democracia exige tempo”, declarou o chefe do Governo valão após o fracasso dos encontros com a delegação da ministra canadiana do Comércio em Namur, sul da Bélgica, sede do Governo e do parlamento dos valões.

Chrystia Freeland abandonou as negociações com duras críticas à máquina europeia: “O Canadá está dececionado, eu pessoalmente estou muito desiludida. Trabalhei muito, mas penso que é impossível [fechar o acordo]. Decidimos regressar [ao Canadá] e estou muito triste".
"Ultimatos não fazem parte da democracia
A Bélgica é o único país dos 28 que está impossibilitado de assinar este acordo, respeitante a 500 milhões de habitantes, fruto do bloqueio da Valónia, região belga que compreende 3,6 milhões de habitantes.Bruxelas encontra-se sob forte pressão e, ainda durante o fim de semana, o presidente do Parlamento Europeu tentou encostar os valões à parede com um ultimato: deve haver uma resposta “sim ou não” da região belga até esta segunda-feira. Donald Tusk referia-se a uma resposta positiva – não o disse mas subentende-se. Já ficara dito nas palavras do presidente da Comissão Europeia, quando Jean-Claude Juncker advertiu que abortar as negociações com do CETA com os canadianos traria consequências negativas para os negociadores europeus com todos os outros parceiros comerciais pelo mundo.

Mas os valões não cedem. “Não será possível respeitar o ultimato”, declarou já o presidente do parlamento valão, André Antoine, em declarações colhidas pela rádio belga RTL. "Há uma enorme miscelânea de textos. Isto não é direito internacional sério. Mais, ultimatos e ameaças não fazem parte da democracia. Queremos um acordo, queremos um tratado, mas queremos negociá-lo com um mínimo de cortesia e respeito”.

“Um prazo razoável seria o fim do ano. Com isso, podemos chegar a algum lado”, fez saber Antoine.

Paul Magnette respondera entretanto através do seu porta-voz que que um ultimato colocado dessa forma, como o fez Donald Tusk, “não é compatível com o processo democrático”.

O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, limitou-se a dizer que “os problemas estão em cima da mesa dos europeus e devemos tentar resolvê-los”.
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