Em defesa do Jorge

Ponto prévio que deve acompanhar, não estando lá escrito, o início de todas as frases deste artigo: fiquei obviamente indignado, para não dizer enojado, pelas declarações do Jorge Máximo a defender que "as leis são como as meninas virgens, existem para serem violadas". Sou pai de uma menina de 5 anos, o que agravou ainda mais a repulsa que senti ao ouvir estas palavras. O Jorge tentou retratar-se e disse que queria dizer o contrário, mas na verdade, se olharmos para a declaração no seu contexto global, ele não queria dizer o contrário. Disse aquilo que disse. Ponto. E é gravíssimo.

Para além dos habituais pedidos de "fogueira, já!" que hoje andam à solta pelas redes sociais por tudo e por nada, apareceram também umas pessoas a tentar associar o Benfica a esta polémica por Jorge Máximo ser um dos mais pitorescos adeptos do clube que todos conhecem dos directos das televisões, aqueles que não se devem fazer, a ouvir adeptos a dizer banalidades e alarvidades que a certa altura engolem os jornalistas num mar de euforia incontrolável. Esta tentativa de associação, feita até por pessoas consideradas inteligentes, é apenas estúpida, e não merece grandes considerações, porque defende a tese de que há uns clubes onde só existem pessoas civilizadas e bem educadas. E isso não é verdade. Nem é preciso ir a um estádio de futebol profissional, apareçam num jogo de crianças de 8 anos e vão ver o comportamento troglodita de alguns pais que nos provocam não apenas receio, mas uma profunda vergonha alheia, para além de pena dos petizes escravizados pelas frustrações dos pais que tentam realizar os sonhos adiados por intermédio dos filhos.

Mas é das reportagens no estádio da Luz que eu conheço o Jorge Máximo. Dos tempos em que era mesmo difícil andar lá. Quando Jorge de Brito ameaçou largar os cães contra os jornalistas e todos se sentiram legitimados para tratá-los "abaixo de cão", quando Paulo Sousa e Pacheco trocaram a Luz por Alvalade e João Vieira Pinto esteve quase a fazê-lo e foram os jornalistas que arcaram com a responsabilidade de uma desfeita aos adeptos encarnados que na altura se tornou uma ferida muito dolorosa, quando anos mais tarde a confirmação da contratação de João Vieira Pinto pelo Sporting provocou ódios incontroláveis aos adeptos benfiquistas e a coisas azedaram mesmo. Nessa altura, ir ao estádio da Luz era mesmo arriscado para os jornalistas que, tal como em outros clubes e em outras ocasiões, eram acusados de beneficiar alguns clubes em detrimento de outros, fazendo o jogo de dirigentes e jogadores.

Dessa altura, recordo dois momentos que envolveram o Jorge Máximo. Uma célebre Assembleia-geral nos tempos de Jorge de Brito, no antigo Pavilhão Borges Coutinho, que correu mal para os jornalistas. Depois de atirarem uma câmera da RTP das bancadas, alguns adeptos mais exaltados agrediram o Carlos Severino da TSF e preparavam-se para me fazer o mesmo, um jovem repórter da TSF, inexperiente, com pouco mais de 20 anos e que nunca se tinha visto naqueles assados. Foi o Jorge Máximo que evitou o pior ao arriscar o coiro para nos defender. Deus uns gritos, e ele sabe fazê-lo como ninguém, e uns empurrões e evitou mais agressões. O grande e saudoso actor Artur Semedo, um benfiquista empedernido, pegou no microfone, fez um discurso indignado sobre a vergonha que era para o Benfica ter adeptos com aquele tipo de comportamento, e mandou sentar toda a gente. O pavilhão sentou-se, e o Jorge Máximo acompanhou-nos à nova zona destinada aos jornalistas, mais acima na bancada e já com protecção policial.

Em outra ocasião, depois de algumas agressões aos jornalistas cá fora, junto à porta principal - levei um tabefe de uma adepta indignada -, e de terem partido a máquina fotográfica a um repórter, creio que ao Francisco Paraíso que é hoje fotógrafo da Federação Portuguesa de Futebol, foi o Jorge Máximo que mais uma vez evitou o pior. A custou conseguiu colocar-nos dentro da sala de imprensa de onde acabámos por sair em segurança cerca de uma hora depois.

Tal como disse no início, fiquei obviamente indignado, para não dizer enojado, pelas declarações do Jorge Máximo a defender que "as leis são como as meninas virgens, existem para serem violadas". Não há defesa possível para este tipo de declaração, e remete-nos para uma mente doente e criminosa - que acredito não seja - que nos provoca indignação e nojo. Mas tal como dizia o Padre Américo: "Não há rapazes maus; mas é muito difícil torná-los homens bons, quando começamos tão tarde a conhecê-los. É no berço que se forma a criança, sobretudo crianças desta natureza". Acredito que o Jorge Máximo tenha tido muitas dificuldades na vida e que o berço não tenha sido o melhor na sua formação como homem. Tenho pena que uma declaração tão infeliz, nojenta, possa ajudar a apagar as memórias da generosidade que vive no coração de um homem que algumas vezes se atravessou para defender outras pessoas em situações muito difíceis. Ou talvez eu tenha visto o pouco de bom que ele tem no coração, não o conheço a esse ponto. Mas queria dar este contributo, numa altura em que andamos a queimar pessoas vivas nas redes sociais. E esse extremismo também tem o seu lado irresponsável e perigoso.

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