Na semana passada

Rentes de Carvalho escritor de rara craveira, assinou no Correio da Manhã, um artigo em que descreve uma sumptuosa entrada num café de um certo homem que não identifica. Esse homem mistério é homem de garbo, de talentos variados e admirados, que tocam na arte da pintura, na elegante forma de extrair sons do piano, de bem escrever.

Por isso e não só, é senhor de grande visibilidade quer na televisão quer na rádio ou nos jornais. O escritor português que reparte o tempo entre Amesterdão e Mogadouro descreve este homem pela rama, mas enquanto o leio no jornal, a minha imaginação desenha aquela figura a pente fino.

Rentes está impressionado com a notável capacidade dele conseguir fazer tantas coisas, mas inveja-lhe sobretudo a forma como ele entra sempre naquele café, de cachecol vermelho enrolado no pescoço, cabeça ao alto, e aquela esplendida confiança de si mesmo.

Essa confiança do homem de cachecol vermelho, não só metaforicamente, pode vestir o momento histórico captado pelas câmaras fixado pelas palavras gravadas para sempre, aquele momento histórico em que talvez o mundo tenha reparado, ainda que de relance, no meio de um qualquer telejornal, do discurso de Antonio Guterres como secretário-geral das Nações Unidas.

O homem que une, como apregoava na primeira de todas as páginas, na edição do dia seguinte ao momento da aclamação do antigo primeiro-ministro, o Diário de Noticias.

Guterres reafirmou que a paridade de género será uma prioridade do seu mandato, e disse ele com uma esplendida confiança, que a forma como foi escolhido adicionou credibilidade à organização, afinal, vencedora neste inédito processo de transparência que marcou a eleição de António.

Consciente dos desafios que tem pela frente, o português apresentou-se perante os países do mundo, com humildade, gratidão e profundo sentido de responsabilidade. Por ele, houve as bandeiras em formato gigante, da ONU e de Portugal, esticadas no torreão central do Palácio de Belém.

Mas esta semana se houve júbilo pela ascensão de Guterres ao topo da diplomacia mundial, por Carlos, houve choro e dor, por Carlos até a Ministra da Administração Interna se emocionou, na hora do funeral do jovem GNR assassinado a tiro em Aguiar da Beira.

“És o meu herói, o nosso herói!” Gritava uma voz feminina que não escapou aos microfones nem à atenção da reportagem do JN.

Adeus também a Dario Fo. Dramaturgo, um dos maiores do teatro italiano. Foi embora aos 90 anos, 12 dias depois de ter sido hospitalizado, amante da sátira como era, não é difícil imaginá-lo a chegar às paragens para lá da morte, de cachecol vermelho enrolado no pescoço, a dar corpo a uma esplendida figura cheia de si.

Ainda cheio de vigor, ao que julgo saber, está o Nobel Bob. Cantou, mas antes disso inventou um mundo cheio de personagens, historias encantamentos e denuncias. Por isso tal como escreveu Miguel Esteves Cardoso no Público, Bob merece.

O mesmo digo de Germano Silva, o jornalista do Porto que tem dois no coração, o Futebol Clube do Porto, e o Porto cidade que conhece como ninguém e que a cidade conhece bem. O Germano fez 85 anos e no dia do aniversário abriu a exposição na Casa do Infante que revela fotografias, livros e recortes de jornal, quadros cromos e cadernetas e até o primeiro brinquedo de Germano Silva.

Tudo dele. Nesta exposição chamada “Germano Silva, o Porto no coração” cabe também no baú dos afetos públicos o seu amigo de sempre Manuel António Pina.

Sem dúvidas dois homens que vejo a entrar de cachecol enrolado no pescoço, duas esplendidas figuras sempre cheias para dar a entrar num café, talvez no Orfeú.

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