A bolsa da vida e da morte…

Ou a eficácia de matar onde “dá mais pontos”.

Esta semana podia escrever sobre as eleições espanholas. Seria normal opinar acerca do Brexit do Reino Unido ou o regresso precoce (dizem os espanhóis) da Seleção de Vicente del Bosque a Madrid. Enquanto o Mundo se entretém com discussões estéreis, ad eternum, sobre a liderança de um Governo, divisões que separam a Europa, gerações, alimentando sentimentos de xenofobia, racismo, separatismo… o terrorismo voltou a matar. Andamos demasiado distraídos?

Na internet recuo até 23 de março deste ano. Encontro um artigo cujo título questiona se existe uma moral dupla. O texto tenta perceber por que razão a cobertura mediática dos atentados terroristas, assim como o interesse dos políticos e respetivos países, o apoio e a censura nas redes sociais, diferem em função do local onde sucedem.

Parece uma cotação, uma bolsa de almas, uma lei de mercados para os seres humanos, vítimas de atentados, perpetrados exatamente pelos mesmos grupos radicais, pelos mesmos ódios, pelas mesmas razões.

Há muito, que investigadores, jornalistas, especialistas no estudo dos efeitos dos media, da projeção mediática, analisam a forma como a proximidade dos eventos/acontecimentos/notícias captam o interesse do público, afetam a perceção de risco, motivam opiniões e decisões. Sabemos que a proximidade de um acontecimento em termos geográficos, temporais ou sentimentais aumenta o interesse, a preocupação, a consternação. É isso que se estuda nas universidades, nos cursos de jornalismo. É isso que ainda define os alinhamentos dos telejornais, as manchetes de primeira página da imprensa.

Não é preciso ler a teoria dos Sentimentos Morais, de Adam Smith, de meados do século XVIII, para tentar perceber como se dá a nossa relação com os outros e como ela se dissipa.

No entanto, num Mundo em que há tanto, e tanto, se apregoa a globalização, não há maneira de abandonarmos a mesquinhez de só nos preocupar-nos com o que realmente nos pode atingir, nos nossos pequenos mundos, sem olhar para além das nossas vidinhas. De acordo com a Global Terrorism Database, entre 2001 e 2014, na Europa Ocidental morreram 420 pessoas, vítimas de terrorismo, enquanto no resto do mundo se registaram 108 mil mortos.

Das 420 provavelmente todos ouvimos falar… quanto aos restantes, terão sido reduzidos a um off, uma peça pequena nos noticiários ou uma breve nos jornais. Infelizmente, as vidas não valem todas o mesmo. Pela distância geográfica, pelos credos religiosos, pela orientação sexual… não valemos todos o mesmo. O atentado no aeroporto em Istambul assassinou 41 pessoas. Os ataques em Bruxelas roubaram a vida a 31 inocentes. Comparação para a cobertura mediática?

Fala-se em manifestações de pesar, em ondas de solidariedade seletivas. Paris ou Orlando, Bruxelas ou Nigéria… faz toda a diferença.

Infelizmente, neste jogo de mortes que “dão mais pontos”, os terroristas começam a ser cada vez mais seletivos e a concentrar esforços nos alvos que podem atingir mais ocidentais e causar mais impacto mediático. À exceção dos ataques religiosos, xenófobos, ou às forças de segurança, quem quer instalar o medo como ditadura, aterrorizar, amedrontar, sabe que o deve fazer onde dói mais e nós, ocidentais, continuamos a mostrar-lhes o nosso ponto fraco, ao mesmo tempo que ignoramos os mais fracos.

O desinteresse só nos torna mais vulneráveis… afasta-nos, divide-nos, não nos mobiliza por causas que deveriam ser mundiais. Torna-nos presas fáceis, para qualquer predador atento.

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