Espanha, o fracasso da democracia

Não fui eu, não fui eu! Dizem Rajoy, Sanchéz, Iglesias e Rivera. Parecem crianças no recreio da escola primária, depois de partirem um vidro com uma bola perdida, disparada sem cuidado, nem direção. Durante quatro meses, os líderes dos principais partidos políticos de Espanha, homens feitos e de barba rija, dispararam em quase todas as direções, mas nenhum tiro foi certeiro. Agora, resta ao Rei “aparar os golpes” e apelar a uma nova campanha mais contida em gastos e palavras.

Filipe VI parece uma daquelas professoras “boazinhas”, que nunca conseguem pôr de castigo um aluno mal comportado. Se a reprimenda fosse eficaz, dizem alguns espanhóis, “talvez estes senhores não voltassem a brincar com os destinos de um país”, hipotecando também reformas urgentes e sérias. Mais sérias do que as reuniões de fazer de conta e as fotografias para “espanhol ver” que protagonizaram até à exaustão.

No Congreso de los Diputados, a Assembleia da República Portuguesa, os jornalistas espanhóis trocam críticas, entre risadas e suspiros de impaciência. Dizem que não estão habituados "a isto", que no tempo do bipartidarismo (o único que a esmagadora maioria conheceu profissionalmente) os líderes não falavam a toda a hora no Congresso, não se desdobravam em entrevistas nas Rádios pela manhã, aos Jornais à tarde e às Televisões à noite.

Pelos corredores, ou na sala de imprensa, com frequência perguntam-me se em Portugal também é assim. No início do processo, pouco depois das eleições de 20 de dezembro, também eu me desdobrei em entrevistas, reportagens com o objetivo de mostrar como estavam os correspondentes internacionais a noticiar e a interpretar a crise política em Espanha.

Da excitação inicial, do frenesim noticioso, passou-se rapidamente para a monotonia, para a impotência negocial e informativa, para a necessidade de fazer notícias diárias, de alimentar os devoradores on-line, sem qualquer novidade digna de registo ou de interesse público. Ou seja, sem notícia, tal como é entendida nos manuais de Jornalismo e Ciências da Comunicação. "128 dias perdidos, o fracasso da política espetáculo", escreve o jornal ABC, horas depois da confirmação do que todos esperavam. No El País lê-se " A impotência dos partidos leva os espanhóis às urnas". Não há surpresa, apenas

A constatação da derrota de todos os partidos envolvidos nas negociações de 4 meses. O Rei, amarrado à incapacidade dos outros, não indicou nenhum candidato, permitindo a dissolução das Cortes, a convocação de eleições a 3 de maio.

Terão sido incapazes de gerar acordos, de dialogar, de colocar os interesses pessoais e partidários atrás dos interesses "do povo", de todos os que os elegeram, votando pelo fim da rotação de duas maiorias absolutas, PSOE-PP-PSOE-PP, em favor de um Parlamento minoritário que, obrigatoriamente teria de dialogar e negociar a bem do interesse público, a bem do futuro da nação.

Não foram capazes. Não estiveram à altura. São responsáveis pela XI legislatura ser a mais curta da história da democracia espanhola e parece que não aprenderam nada com isso.

Neste momento, continuam a cruzar acusações, como crianças. "A culpa é de Sanchéz que não quis falar comigo", diz o primeiro-ministro, em funções, Mariano Rajoy. " Os culpados são Rajoy e Iglesias. Pablo Iglesias foi a boia de salvação do PP", lança o socialista Pedro Sanchéz. "Sanchéz disse muitas vezes não, o PSOE estava refém do Ciudadanos", acusa o líder do Podemos. " Nós fomos os únicos que se preocuparam com os interesses de Espanha", assegura Albert Rivera, presidente do Ciudadanos.

Em quatro meses não fizeram mais do que dar continuidade à campanha eleitoral, que se arrastava desde o verão passado, e que se prolonga agora até ao próximo verão.


As sondagens, a dois meses das eleições de 26 de junho, apresentam um cenário muito semelhante ao de dezembro. Quase uma cópia dos resultados.

Ou seja, depois deste fracasso da democracia espanhola, as consequências na perspetiva dos eleitores parecem ser poucas ou nenhumas. Ou os espanhóis desistiram de acompanhar a vida política ou os eleitores acabaram por se resignar a tudo o que está a acontecer…

Algo estará errado nisto tudo, não concordam?

pub