O "americano comum" está a substituir "a classe média"

Parte significativa da América deixou de ser um país confiante e aberto ao mundo. Os milhões de eleitores que votaram contra a actual arquitectura da globalizaçāo, questionando acordos comerciais e a política de imigraçāo, sāo a prova disso.

Donald Trump, teve na direita 13 milhões de votos. Bernie Sandres, na esquerda, 12 milhões. Os dois candidatos foram profundamente desvalorizados quando começou a campanha presidencial americana.

Trump foi considerado uma autêntica anedota, um milonário apenas interessado em somar proveitos com a gigantesca publicidade que uma candidatura comporta. Trump nāo teria margem para crescer no centro direita nem hipóteses contra republicanos da velha guarda como Jebb Bush, ou na nova como Marco Rubio.

Bernie Sanders, um independente, recém filiado no partido democrata, seria irrelevante mas bem acolhido, assim Hillary poderia ser minimamente desafiada, nāo apenas coroada "rainha da esquerda".

Milhões de americanos, 25 no total, votaram contra essa ideia, contra o "sistema instituído" acima de tudo, contra a realidade da globalizaçāo.

No caso de Trump os eleitores nāo sāo tāo jovens como os adeptos de Sanders mas todos se consideram excluídos. O futuro poderá ser integrado, multicultural, globalizado, mas será também muito mais competitivo e exigente.

Aqui, nos Estados Unidos, os jovens que votam em Sanders sāo maioritariamente motivados pela promessa de educaçāo superior paga pelo Estado através dos impostos. Uma licenciatura de uma Universidade suficientemente cotada para dar acessso ao mercado de trabalho custa milhares de dólares. Os americanos começam em regra a vida profissional com grandes dívidas resultantes dos empréstimos que contrairam para pagar os estudos.

No mundo da globalizaçāo, o mundo de hoje, nāo há grande esperança para trabalhadores sem educaçāo superior. Os sociólogos explicam que parte do ressentimento advém da certeza de que a mobilidade social está a diminuir de forma drástica. A classe média deixou de ser acessível. A própria designaçāo "classe média" deixou de ser usada até por campanhas como a de Hillary Clinton. O termo foi substituído por "americano comum" , uma designaçāo mais abrangente e descaracterizada.

A globalizaçāo exige competências, como se dizia antigamente, estudos. Mas se os mais jovens, pelo menos pagando e com muito trabalho e dedicaçāo, ainda podem ser integrados, os mais velhos , os trabalhadores do chamado "colarinho azul" perderam a oportunidade. Aí está a maioria dos eleitores de Donald Trump. Gente com poucas habilitações, sem ensino superior, mais velhos, com profissões sem grande futuro, mais da era industrial que desta.

Foram profundamente afectados pela crise de 2008 e nos últimos oito anos nāo recuperaram. Sāo sensíveis ao argumento da deslocalizaçāo das empresas, das fábricas e, claro, reagem contra os imigrantes. O que mais aplaudem é a proposta de construçāo do muro na fronteira com o México. Querem acabar com os grandes acordos comercias como o NAFTA, querem um regresso ao passado.

Os excluídos sāo milhões, estāo angustiados, têm razões para isso. O futuro pertence aos superqualificados. Todas as promessas que lhes fizerem sāo só isso.

Trump e Sanders nāo sāo duas faces da mesma moeda. Seria muito difícil que na fase final das eleições estas duas correntes de eleitores votassem no mesmo candidato. Mas as queixas que fazem deveriam ser pelo menos escutadas. Uma América confiante e aberta ao mundo nāo pode ignorar tanta gente.

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