E porque não, se até as vacas voam?

Barack Obama esteve em Hiroshima. Foi o primeiro presidente americano em funções a visitar a cidade onde "há 71 anos a morte caiu do céu". Como se esperava, o homem que venceu o Nobel da Paz em parte pelas expetativas que criou durante um célebre discurso a favor da desnuclearização, em Praga, em 2009, voltou a apelar a "um mundo livre de armas nucleares". As utopias nunca fizeram mal a ninguém, bem pelo contrário. Porém, é de supor que nem o próprio Obama acredita na possibilidade de concretizar essa visão que deixou na cidade mártir.

Obama até nem começou mal o seu consulado, no que respeita ao nuclear. Em 2010, assinou, com a Rússia, um novo Tratado de Redução de Armas Esratégicas que permitiu reduzir o número de ogivas atómicas em prontidão, em ambos os lados. Mais tarde conseguiu o acordo com o Irão.

Mas pouco mais pode apresentar no currículo. Quando propôs à Rússia uma nova redução de armamentos, Vladimir Putin recusou. Nesta altura, a China, a Índia e o Paquistão continuam a aumentar os seus arsenais. E a Coreia do Norte, apesar das sanções, prossegue com os testes nucleares.

A China estará, inclusive, a preparar-se para, pela primeira vez, enviar os seus submarinos nucleares para patrulhas no Pacífico. Os próprios militares americanos, com Obama como comandante em chefe, planearam recentemente um processo de modernização do arsenal atómico dos EUA.

Washington ainda não ratificou o Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares e os EUA planeiam gastar um bilião de dólares, ao longo das próximas três décadas, no desenvolvimento de novas armas. Sendo que alguns desses projetos poderão necessitar de ensaios nucleares.

Na realidade, os riscos de proliferação não abrandaram, durante o tempo de Barack Obama na Casa Branca, antes pelo contrário. Há, nesta altura, 16 mil armas nucleares no planeta e condições para construir muitas mais. Vários analistas dizem que estamos numa espiral idêntica à da Guerra Fria.

Neste cenário, acreditará realmente Obama que um mundo livre de armas nucleares é possível? Dir-se-á que, de um estadista, ainda para mais líderda primeira potência mundial, não era de esperar, em Hiroshima, outro discurso senão aquele, um discurso responsável, visionário e utópico.

Sabemos da importância das utopias como forças motrizes para o progresso do mundo. Sabemos também como este tipo de declarações têm sobretudo uma força simbólica, importante para a construção da narrativa de Obama na Casa Branca, para a ideia com que o mundo vai ficar do seu legado.

Não é, aliás, por acaso que Hiroshima é sempre escolhida como palco destas cerimónias anti-nucleares, e não Nagasáqui. Porque foi a primeira a ser bombardeada tem a força do símbolo. É normal. Sabemos que a maior montanha do Japão é o Monte Fuji mas não sabemos qual é a segunda.

Por isso Obama foi a Hiroshima e não foi a Nagasáqui. Muitos habitantes de Nagasáqui não gostaram, sentiram-se esquecidos. O mayor da cidade disse que gostaria de ver Obama a dizer ao mundo, em Nagasáqui, que "este devia ser o último lugar da Terra a ter um bombardeamento atómico".

Mas, no fim de contas, que diferença fará? Um velho hibakusha - sobrevivente da bomba -, de Nagasáqui, com 87 anos, disse à reportagem do New York Times que não entendia a agitação com a visita de Obama. Que ele era bem vindo e que esperava que falasse de um mundo livre de armas nucleares, mas que na verdade não esperava muito mais do que isso.

"Com os meus anos de experiência, vejo sempre as pessoas a falarem em muita esperança e depois a desiludirem-se. Por isso não quero dar muita importância às palavras", dizia o velho hibakusha. Mas pronto, ficaram essas palavras de Obama para a posteridade. Ele deseja ver um mundo livre de armas nucleares. E porque não, se até as vacas voam?    

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