E que tal negociarem?

A liberdade contratual é um dos principais pilares do Estado de Direito Democrático que saiu da Revolução Francesa. É por isso normal que quem não aceite um determinado negócio ou contrato tenha de partir noutra direção sem que daí venha qualquer mal ao mundo. Da mesma forma é normal que quem aceite as condições que lhe são oferecidas se decida a assinar um determinado contrato. Isto é válido para todas as áreas da nossa sociedade e, por maioria de razão, para o direito do trabalho.

Nas relações laborais do futebol não há nenhuma diferença porque se um clube oferece um conjunto de condições a um jogador que as aceita temos acordo. Se não as aceita sai e procura um clube que lhe dê o que pretende. Parece-me óbvio. 


A famosa Lei da Opção que, no tempo da outra senhora, fazia com que um jogador fosse obrigado a permanecer num clube mesmo sem querer, desde que a entidade patronal lhe oferecesse 60% da oferta que tinha recebido de outro clube, já faz parte do passado.

Vem isto a propósito do encerramento do mercado de transferências que acontece esta quarta-feira à meia-noite – hora de Portugal Continental – e de todas as peripécias que nos últimos dias têm marcado a atualidade de alguns dos grandes clubes portugueses, com os jogadores tentados a aceitarem as propostas que receberam e com os clubes com quem têm contrato a tentarem esticar a corda para ganharem mais uns milhões ou então muito pouco interessados em discutir uma eventual saída.

No final do jogo com o FC Porto, Jorge Jesus reconheceu que tinha sido uma semana terrível e que os jogadores só saem se o clube quiser. Não tenho a mínima dúvida que deve ter sido mas fará algum sentido que os clubes queiram ficar com jogadores contrariados?

Será que o Sporting não aprendeu nada com o caso Carrillo que se mudou de armas e bagagens para o outro lado da segunda circular sem que os leões tenham ganho, pelo menos, uma pequena parte do que investiram?

Do ponto de vista da gestão será isso uma boa forma de defender os interesses dos clubes? Não estou a dizer que os deixem sair por meia dúzia de euros. Nem é disso que estamos a falar. Mas não será bom para todas as partes haver alguma flexibilidade? Estou em crer que sim.

Mesmo assim, não se pense que os únicos “culpados” destes imbróglios são os clubes. Não são. A culpa tem de ser repartida por todas as partes – clubes, jogadores, empresários e afins. O que dizer de jogadores que ainda no ano passado aceitaram aumentos substanciais de ordenado – para a realidade portuguesa – e que agora tremem quando percebem que podem vir a ganhar três ou quatro vezes mais em Inglaterra?

O que dizer de jogadores que aceitaram cláusulas de rescisão de valores brutais, muito além daquilo que é o seu real valor, permitindo ficar nas mãos dos presidentes dos clubes que, com razão, podem argumentar que ou pagam o valor da cláusula ou não saem?

Será que eles próprios acreditam que valem 50 ou 60 milhões de euros? Será? Ou assinam só porque sim. A complexidade dos contratos de um jogador de futebol de topo é tão elevada que mesmo alguns juristas experimentados que conheço precisam de dias para os analisar. Por que será que os jogadores assinam coisas que não percebem ou que não concordam? Isso para mim é um enigma.

É por isto tudo que é preciso bom senso, capacidade negocial e capacidade técnica para lidar com estes assuntos. Não é na troca de mensagens ou comunicados através da comunicação social que as coisas se resolvem. Pelo que conheço ninguém quer jogadores contrariados, mas ninguém quer fazer maus negócios e, por isso, que tal sentarem-se a uma mesa para negociar tudo? É que a partir de quinta-feira os treinadores e os jogadores terão obrigatoriamente de ter paz de espírito e concentração para aquilo que importa e que é jogar bem e ganhar jogos. E isso não se faz com quem está aborrecido, contrariado ou com quem perdeu a possibilidade de ganhar muito dinheiro.

Mas isso também não se pode fazer à custa dos clubes aceitarem tudo. E que tal negociarem de forma leal e justa?

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