A surpresa

A surpresa é das melhores emoções diárias. Poder estabelecer, no final do dia, a que horas e em que circunstâncias um acontecimento espoletou esse fascínio, é magnífico. Esta semana descobri o filme sobre a vida de Hannah Arendt de 2012, realizado por Margarethe von Trotta.

A partir da experiência e consequente obra da filósofa alemã, do julgamento de Eichmann em Jerusalém, o chefe da SS nazi, Arendt teoriza sobre a banalização do mal. E tão contestada que foi, e tão contestada que continua a ser.


Por ser de origem judaica, quis a comunidade religiosa tão magoada e ferida de morte pelo nazismo, desacreditar a filósofa. Mas o que Hannah Arendt fez, com os seus textos publicados na revista “New Yorker” sobre o julgamento, não foi um relato factual e descritivo dos crimes de guerra. Fez, acima de tudo, uma reflexão obviamente filosófica sobre a Condição Humana, pegando na frase brilhante de Mauraux.

O que nos diz Arendt é que o Bem e o Mal existem. O mais assustador é que a escolha entre o Bem e o Mal é feita diariamente por pessoas “normais”, na banalidade dos dias. 

Para Arendt, Eichmann era um apenas um homem, que burocraticamente cumpria ordens.
A surpresa de tudo isto é ter uma filha que, para um trabalho de literatura, precisa de um comentário final sobre o holocausto. A coincidência leva-me a apresentar Hannah Arendt a uma miúda de 16 anos. E sentir que se deslumbra com a filósofa alemã.

Também vos digo que corram a ver o tríptico de Bosch, “As Tentações de Santo Antão”, que está no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa, pois este tesouro nacional vai estar na grande exposição dedicada ao pintor holandês, no Museu do Prado em Madrid, para assinalar os 500 anos da sua morte, em maio. 

Corram para ver, porque o Céu e o Inferno estão lá tão bem retratados. Se há escolhas diárias entre o Bem e o Mal, Bosch e Arendt mostram-nos tão brilhantemente o caminho. 

De surpresa.

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