Na prisão com Carlos Cruz

A frase foi-me contada por Adriano Moreira. Um dia, o Professor perguntou a um amigo, capelão de uma cadeia de homens em Sintra, como é que ele lidava diariamente com os presos tendo em conta que estava perante assassinos, violadores, assaltantes, homens extraordinariamente violentos. O padre respondeu-lhe assim: "cada homem é mais do que o crime que comete".

Nunca mais me esqueci desta frase: "cada homem é mais do que o crime que comete". Recordei-me desta história quando, há alguns dias, entrei na prisão da Carregueira para entrevistar Carlos Cruz. Neste caso, tendo em conta toda a controvérsia que gerou o julgamento, acrescento: "cada homem é mais do que o crime que comete ou pelo qual é condenado".


Evidentemente uma entrevista não é um julgamento e não me passava pela cabeça transformá-la nisso. Com 2/3 da pena já cumprida, interessava-me mais saber a opinião de Carlos Cruz sobre como é conviver com a privação de liberdade; como é que se estabelecem os contactos entre os presos e qual é a relação com os guardas prisionais; como é que se explica aos filhos, crianças e adolescentes que não podem ver o pai porque está preso; quão importante é manter a ligação ao mundo exterior através das visitas. 

Estas eram algumas das questões para as quais pretendia obter respostas. E Carlos Cruz respondeu a todas as perguntas na conversa que está disponível neste site e pode ser vista a qualquer momento. Foi um momento raro que nos permitiu perceber o que se passa nesse mundo tão fechado que é o interior das cadeias.

Entre tudo aquilo que Carlos Cruz contou, há uma história que achei particularmente impressionante: o caso de um açoriano que se encontra na Carregueira e que durante os 7 anos em que esteve preso não recebeu qualquer visita. 7 anos sem ver ninguém! Sem qualquer contacto com o exterior. Apenas a companhia dos presos e o ambiente da cadeia. Como é que alguém, nestas condições, se prepara para o regresso à vida cá fora?

Este é o tipo de informação que, quem está fora, desconhece e, por isso, não se pode interessar. Porque a situação das cadeias não está na agenda, nunca está na agenda, não dá votos, não é uma prioridade na definição de políticas dos responsáveis pela justiça. 

Só por isso, por nos obrigar a pensar sobre estas questões, a entrevista a Carlos Cruz valeu a pena.      

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