Portugal vai apresentar queixa sobre Almaraz a Bruxelas

por RTP
O ministro português do Ambiente, João Matos Fernandes, na reunião desta quinta-feira em Madrid Daniela Santiago - RTP

Terminou ao início da tarde desta quinta-feira a reunião em Madrid entre os ministros do Ambiente de Portugal e Espanha sobre o depósito de resíduos na central nuclear de Almaraz. Sem progressos. Lisboa vai mesmo pedir a intervenção da Comissão Europeia.

"Portugal vai solicitar a intervenção de Bruxelas neste caso. Havendo um diferendo, ele tem de ser resolvido pelas instâncias europeias", revelou o ministro português do Ambiente, que esteve reunido em Madrid com a sua homóloga espanhola, Isabel García Tejerina e com o ministro da Energia, Álvaro Nadal.

O Governo português defende que no projeto de um aterro de resíduos junto à central nuclear de Almaraz "não foram avaliados os impactos transfronteiriços", o que está contra as regras europeias.

A reunião não teve o efeito pretendido por Portugal. A queixa deverá ser apresentada na próxima segunda-feira.
"Ainda há tempo para corrigir"
Mesmo assim, João Matos Fernandes sublinha que "não há nenhuma decisão tomada ainda sobre a continuação da central de Almaraz para além do período da licença que tem".

"Essa é uma decisão por tomar. 2020 foi a data que nos foi dita mas não serei eu a confirmar, já que não tenho elementos aqui para isso", continuou.

"Em segundo lugar, Espanha foi clara no sentido de dizer que há ainda uma licença de exploração que tem que ser passada e que essa licença só será passada mais ou menos daqui a um ano, ou seja, que ainda há aqui tempo para que havendo e sendo detetados os outros impactos, possa vir a ser corrigida esta mesma obra", insistiu o governante português.

Quando questionado pela correspondente da RTP em Madrid, Daniela Santiago, sobre o facto de o Governo espanhol querer prolongar por mais dez anos a central de Almaraz, o ministro do Ambiente respondeu: “Aquilo que me foi dito claramente pelo senhor ministro da Energia foi que essa decisão não está tomada e será tomada a seu tempo. Portugal não tem que interferir naquilo que são as políticas energéticas de Espanha, da mesma forma que Espanha não interfere nas políticas energéticas de Portugal”.

Matos Fernandes disse ainda que o que está em causa é um projeto que "tem impactos ambientais potenciais no nosso país. Está próximo da fronteira e além disso está muito próximo do rio Tejo e, por isso, o rio Tejo tem que ser particularmente bem estudado quando fazemos essa mesma avaliação de impacto ambiental".

Evidente é que a obra, em si, não é o que mais preocupa Portugal, revelou o ministro português do Ambiente. "Segundo o Governo espanhol está licenciada e tem condições para poder iniciar, sendo que o seu funcionamento não acontecerá em menos de um ano e, durante esse mesmo período, Espanha terá que passar essa licença de exploração”.

“O Governo do Partido Socialista teve conhecimento deste projeto no dia 23 de setembro, quando o Conselho de Segurança Nuclear emitiu um parecer positivo. Seis dias depois, a 29 de setembro, escrevi a primeira carta à minha homóloga espanhola e também ao ministro com a pasta da Energia. Portanto, foi só nessa altura que a questão se colocou", respondeu Matos Fernandes quando confrontado pelos jornalistas sobre o facto de o PSD ter dito que o Governo português acordou tarde para este problema.
Críticas "infundadas"
"Quero acreditar que o Partido Social Democrata, antes de 23 de setembro, não sabia que este aterro estava em construção. Porque se sabia nunca o disse e se sabia fez mal em não o ter dito. Não era estranho que não soubesse porque a consulta pública deste projeto ocorreu quando o Partido Social Democrata estava no Governo. Quero acreditar, não tenho a mais pequena dúvida, que apesar disso acontecer nunca nenhum governo anterior ou este foi notificado por Espanha. Por isso, com toda a franqueza ficamos satisfeitos por ver o PSD preocupado com esta questão, tal como nós estamos a fazer. Mas é injustíssimo e completamente infundada essa afirmação", rematou o ministro do Ambiente.

As críticas foram feitas pela vice-presidente do grupo parlamentar social-democrata Berta Cabral, que acusou ainda o Governo e o ministro do Ambiente de terem ignorado "os alertas do PSD [de 2016] e a recomendação da Assembleia da República na questão da central de Almaraz".

"O Governo acordou tarde e a más horas para a construção de um novo armazém de resíduos nucleares na central de Almaraz, que Espanha aprovou à revelia da consulta a Portugal", disse Berta Cabral.

"Só muito tardiamente o ministro do Ambiente decidiu efetuar diligências, as quais se revelaram infrutíferas, ao ponto de se sentir desconsiderado pelo Governo espanhol", afirmou ainda a deputada do PSD.

Também Jerónimo de Sousa defendeu o "envolvimento" e a "intervenção" do Estado quanto à eventual construção de um armazém de resíduos em Almaraz.

O líder do PCP não quer que o Governo fique "à margem do problema".
Ambientalistas criticam Governo
Associações ambientalistas de Portugal e Espanha manifestam-se em Lisboa contra a construção do aterro de resíduos nucleares e contra o funcionamento da central de Almaraz.

Os ambientalistas portugueses denunciam que a intenção do Governo espanhol é prolongar o funcionamento da central e não deixam de criticar a atuação do Executivo português.

O jornal El Diario.es já tinha revelado uma ata do Conselho de Segurança Nuclear de Espanha em que a direção da central reconhecia, perante os inspetores, "um incumprimento consciente, voluntário, repetitivo e programado" das Especificações Técnicas de Segurança no que dizia respeito à proteção contra incêndios.

Recorde-se que a central teve sete falhas de segurança o ano passado, uma delas considerada preocupante por parte das autoridades.

O investimento de 25 milhões de euros no novo armazém de resíduos nucleares, dizem os ambientalistas espanhóis, só se justifica caso a intenção de Madrid passe pela renovação da licença de funcionamento de uma central com quase 40 anos que deveria fechar em 2020.

Em 2014 a União Europeia adotou legislação restritiva que, em casos como este, obriga a estudos de impacto ambiental transfronteiriços para validar qualquer decisão.

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