Alunos exaustos pelo currículo: que soluções para o ensino?

Afinal o que se aprende realmente na escola? Como se aprende? Como se deve ensinar? Fazem sentido os trabalhos de casa? São perguntas que fazemos muitas vezes e que têm provocado polémica no setor da educação ao longo dos anos. O debate acontece nas escolas, no Ministério e nas famílias. Olhamos para os argumentos apresentados por um psicólogo, professores e pela tutela na Antena Aberta, num debate moderado pelo jornalista António Jorge.

Frustração constante, relações afetivas escassas, desmotivação, professores e pais que se viram do avesso para encontrar soluções, crianças e jovens que se sentem esmagados pela dificuldade em atingir as metas na escola. Tem sido assim ao longo dos últimos anos. E agora? Será que é desta que vai mudar?

A pensar nisso, o Ministério da Educação quer começar por reduzir os currículos de várias disciplinas. O objetivo é limitar as matérias ao essencial e dar mais tempo para aprofundar temas, desenvolver outros projetos e promover a interação entre alunos e professores na sala de aula. Para já, o Governo está a preparar uma redução dos currículos escolares do 1.º, 5.º e 7.º anos de escolaridade.

Em entrevista ao programa da Antena 1 Antena Aberta, o secretário de Estado da Educação, João Costa, diz que os currículos vão apenas ter em atenção a matéria que é essencial.

"Identificar aquilo que são as aprendizagens essenciais para cada ano e libertar tempo para os professores poderem flexibilizar o currículo".“Por um lado identificar aquilo que são as aprendizagens essenciais para cada ano e libertar tempo para os professores poderem flexibilizar o currículo, seja dentro de cada disciplina, seja através de trabalho interdisciplinar. O trabalho de projeto, trabalho que põe as aprendizagens ao serviço de competências de cidadania, deixando as escolas terem os seus projetos educativos".


João Costa - Secretário de Estado da Educação

Para João Costa trata-se de fazer aquilo que se designa de diferenciação pedagógica, isto porque o professor tem tantos conteúdos para "despejar" que não consegue fazer este trabalho. Trata-se de “atender a necessidades específicas, promover o trabalho de grupo e diversificar estratégias na sala de aula”.
Contributo de todos os setores
O secretário de Estado da Educação salientou ainda outra dificuldade preocupante como a impossibilidade de fazer trabalho interdisciplinar. “Nós hoje sabemos que o conhecimento é muito mais transdisciplinar e interdisciplinar do que disciplinar e está impossibilitado por esta extensão curricular. Identificámos também que estes programas não permitem o desenvolvimento das competências de nível mais elevado, que são as competências que envolvem pensamento crítico, análise de informação, pesquisa de informação ou transformação de conhecimento. Isto porque está muito assente na mera reprodução de conteúdos, que é o nível mais elementar de aprendizagens”.O que é que aprendem? Como aprendem? Como são motivados para aprender mais?

O Governo quer que este seja um trabalho discutido e beneficie de contributos de diversos setores, como o Conselho Nacional de Educação, os diretores das escolas, as associações de professores e de pais, o Conselho de escolas, sociedades científicas e a própria Assembleia da República.

Um dos primeiros encontros está já marcado para 4 de novembro, dia em que o Executivo quer ouvir os alunos em questões como: O que é que aprendem? Como aprendem? Como são motivados para aprender mais?

João Costa - Secretário de Estado da Educação

Quando questionado pelo jornalista da Antena 1, António Jorge, sobre até que ponto é que esta redução dos programas coloca em causa uma reforma curricular mais profunda, o secretário de Estado da Educação frisou que não se está aqui “a falar de reforma curricular, estamos a falar de uma forma diferente de gerir o currículo para potenciar aprendizagens melhores”.

E acrescentou: “Quando falamos de reforma curricular, estamos a falar de um currículo que sofre alterações. O que estamos aqui a fazer é puxar aquilo que é essencial em cada disciplina e que, mesmo nas disciplinas que têm sofrido mais alterações, o essencial mantém-se (…) Aqui o nosso foco é a gestão curricular ao serviço de aprendizagens mais efetivas”.
"Mais tempo não significa mais horas"
Numa questão à margem dos conteúdos curriculares, mas que tem merecido um debate aceso, João Costa deu a sua opinião sobre os TPC’s - Trabalhos Para Casa.

Estes currículos “não estão a conseguir chegar àquilo que está previsto nos programas e, se não conseguem, isso significa que os alunos não conseguem aprender".Para este responsável político, linguista de formação, os TPC’s “devem ser geridos por cada professor (...), ou até diria, quando passamos do primeiro ciclo para ciclos seguintes,  pelo Conselho de Turma, para saber se há equilíbrio entre as diferentes disciplinas. Tal como outros trabalhos, está na esfera de competências de cada professor e do seu trabalho com cada turma, com cada aluno, para saber avaliar a sua adequação”.

Questionado ainda sobre o facto de os alunos poderem ter sido prejudicados todos estes anos, o secretário de Estado da Educação referiu que a questão consensual é que estes currículos “não estão a conseguir chegar àquilo que está previsto nos programas e, se não conseguem, isso significa que os alunos não conseguem aprender e isso fá-los avançar com alguns défices”.

E dá como exemplo: “Sabemos que hoje, ao fim de um percurso como o 12º ano, há lacunas por exemplo nas competências de escrita, de comunicação oral. Então isto significa que temos de ser realistas. Significa que precisamos de mais tempo para potenciar o desenvolvimento destas capacidades. Também todos estamos de acordo que os alunos têm uma carga horária pesada. Portanto, mais tempo não significa necessariamente mais horas. Significa aproveitarmos melhor as horas disponíveis, permitindo fazer o tal trabalho que é essencial, aliviando algum trabalho que é mais periférico”, conclui o responsável.
Lógica que se mantenha no tempo
Já Pedro Rosário, professor de psicologia na Universidade do Minho, prefere ser mais cauteloso, uma vez que o problema é saber o que é essencial. "Agora, o que me parece muito interessante é esta ideia da concertação e de se encontrar um acordo que envolva todos os parceiros de modo a encontrarmos uma lógica que se mantenha no tempo. Se esta ideia vem neste sentido, de congregar esforços dos diferentes parceiros e no sentido de encontrar aqui um acordo de regime que se possa manter, aí parece-me que sim”.

Pedro Rosário - Professor de Psicologia na Universidade do Minho
"Uma parte muito interessante tem a ver com aquilo que acontece dentro da sala de aula, da relação dos professores com os alunos, do compromisso dos alunos com a aprendizagem ou dos compromissos dos professores com o ensino”.
Sobre o facto de os programas serem ou não muito extensos, Pedro Rosário diz que é ainda muito abstrato falar sobre a matéria porque há outros fatores importantes a serem debatidos. E dá como exemplo: a formação dos professores, as condições para que os programas possam ser postos em prática, nomeadamente, a acessibilidade que existe das condições de acesso à internet que nalgumas escolas funciona noutras não, o apoio e a formação dos pais, a ligação dos pais às escolas ou a disponibilidade que os pais possam ter para ajudar os filhos.

“É muito importante analisar as coisas com profundidade porque, senão, temos slogans que podem ser interessantes, do ponto de vista popular, mas de facto isso não muda a educação. Uma parte muito interessante tem a ver com a análise micro daquilo que acontece dentro da sala de aula, da relação dos professores com os alunos, do compromisso dos alunos com a aprendizagem ou dos compromissos dos professores com o ensino”.
Sucesso não depende do currículo
Para o psicólogo Pedro Rosário, não é mudando o currículo que se muda necessariamente o sucesso do ensino. Isto é, o problema não é tanto se o programa é extenso ou não extenso, mas sim a diversidade de alunos que há para ensinar.

“Se o aluno está muito impreparado e não tem as competências suficientes para estar naquele nível em que está e as incompetências são muito severas, por exemplo na leitura ou no cálculo, essa incompetência é muito forte, o que acontece é que é muito difícil colmatar essas lacunas", refere.
Os TPC’s são a ferramenta de aprendizagem mais usada no mundo, mas também a mais injustiçada. Pedro Rosário compara-os ao vinho: há bons e maus.


"Portanto, se a diversidade é muito grande, mesmo com um padrão diferencial de currículos, que sempre podem ser ajustados claro, acho que a honestidade intelectual manda-nos sempre rever, reformular e refletir sobre aquilo que temos, nesse sentido é sempre bom olhar para os currículos e verificar em que medida é que eles podem estar mais ajustados”, conclui.

Já sobre a polémica existência de trabalhos para casa, o psicólogo considera que os TPC’s são a ferramenta de aprendizagem mais usada no mundo, mas também a mais injustiçada. Pedro Rosário compara-os ao vinho: há bons e maus.

“Depende de como a ferramenta é utilizada. E a maior parte das críticas que eu vejo ao trabalho de casa, vejo como uma má utilização da ferramenta, que eu também condeno. Por exemplo, carga excessiva. Não há feed-back sobre os trabalhos de casa, os alunos não sabem qual é o propósito do trabalho de casa. Tudo isso não está bem”, explicita.
TPC como castigo
O psicólogo alerta ainda para o facto de o trabalho para casa ser dado como um castigo: “Não faz qualquer sentido. Magoa a lógica da ferramenta".

Pedro Rosário considera que o importante é "olhar e pensar como é que esta ferramenta nos pode ajudar dentro da sala de aula". Pegar no conceito de TPC's e adaptá-lo às necessidades do aluno, como se o professor fosse um personal trainer.

“Um conjunto de alunos precisa de treinar e de muscular umas determinadas competências, então os trabalhos de casa podem estar dirigidos para essas competências”.
Currículos obesos e desajustados
Já Lurdes Figueiral, da Associação dos Professores de Matemática, considera que os currículos “estão completamente obesos, desarticulados e desajustados”. Vê com bons olhos a medida de o Governo querer reduzir os currículos.

“Entendemos que há de facto um problema curricular grave em Portugal, quer pela sua extensão quer pela sua desadequação, quer pela sua desarticulação. Estes problemas não facilitam as aprendizagens", analisa.

Para a responsável da Associação dos Professores de Matemática, estes "currículos extensos" dão lugar ao treino e memorização e não facilitam o que é mais favorável ao desenvolvimento da criança.

Lurdes Figueiral - Associação dos Professores de Matemática
"As planificações, as fichas, os trabalhos devem ser feitos para alunos concretos, para turmas concretas, em escolas concretas e em contextos concretos. Isso sim dá trabalho.
"Obrigam os professores a dar matéria a correr e exatamente a dar matéria, cansando as crianças, não no sentido de 'coitadinhas das crianças', mas no sentido de não ir ao encontro das capacidades reais de atenção e de concentração e de aprendizagem das crianças”.

Para  Lurdes Figueiral, é preciso um ensino com aprendizagens significativas, que permitam que uma criança seja capaz de observar, de fazer descobertas, de criticar ou de tentar demonstrar. "Não um simples trabalho de treino extenuante, sobretudo, pensando sempre em avaliações externas”, indica.
"Estabilidade não é imobilismo"
Questionada sobre a possibilidade de a redução dos currículos poder atrasar a reforma estrutural, Lurdes Figueiral refere que, se mandasse, iniciaria já essa reforma.

"Estabilidade não é imobilismo e não há estabilidade defensável que impeça mexer naquilo que deve ser mexido, naquilo que está a prejudicar gravemente a vida escolar e as aprendizagens das nossas crianças e dos nossos jovens”.

Lurdes Figueiral - Associação dos Professores de Matemática

“Se há erros eles têm de ser corrigidos. O desejo de estabilidade não se pode compadecer com os erros graves que temos no terreno em termos curriculares”.

A responsável pela Associação dos Professores de Matemática considera ainda que as avaliações, sobretudo as externas, devem servir a aprendizagem e não o contrário.

“Não se ensina, não se aprende a pensar na avaliação, a pensar na seriação dos alunos, a pensar na seleção dos alunos. Não!", reitera.
"Absurdo" dos "testes iguais para todos"
Lurdes Figueiral considera ainda que todos são capazes de fazer mais e aprender melhor, mas não de uma forma igual para todos.

"As planificações, as fichas, os trabalhos devem ser feitos para alunos concretos, para turmas concretas, em escolas concretas e em contextos concretos. Isso sim dá trabalho. Isso não é facilitismo. É exigência de que todos sejam capazes de aprender”.

"Não podem estar oito ou nove horas na escola e depois chegar a casa e estar mais duas ou três horas a fazer TPC's”.


Também Paulo Feytor Pinto, professor de português, que já ocupou o cargo de presidente da Associação de Professores de Português, vê com bons olhos a redução dos currículos.

O docente acredita que a revisão vai permitir uma "diferenciação do ensino", diversificar os conteúdos dados em sala de aula e aprofundar o que é feito na escola.

"Um currículo excessivamente cheio, como é agora, acaba por privilegiar aulas em que os alunos memorizam e estão mais passivos a ouvir o que o professor diz", assinala. Com currículos menores, será possível "ensiná-los, treiná-los, ajudá-los a pensar e refletir sobre as matérias".

Paulo Feytor Pinto - Professor de Português

Paulo Feytor Pinto considera que, se os professores conseguirem “fazer metodologias ativas na sala de aula”, não precisam de pedir os trabalhos para casa”.

"Como os currículos estão tão cheios e a escola está tão cheia, os alunos também têm direito a ter uma horita ou duas de descanso em casa. Não podem estar oito ou nove horas na escola e depois chegar a casa e estar mais duas ou três horas a fazer TPC's”, concluiu o professor de português.

Um estudo publicado na semana passada, que compara a carga horária de um aluno no primeiro ano de escolaridade com um estudante a frequentar o 12º ano, revela que a criança passa mais 465 minutos por semana na escola do que o adolescente.