Jorge Sampaio na RTP: Brexit, sanções e as mudanças na política nacional

por Christopher Marques - RTP
Jorge Sampaio foi o convidado de Vítor Gonçalves na Grande Entrevista da RTP. Rafael Marchante - Reuters

Jorge Sampaio não entende como Bruxelas pode sancionar Portugal no cenário atual. O ex-Presidente classifica essa possibilidade de “extraordinária” e “inconcebível” e pede a Bruxelas que pense mais no futuro. Depois de o referendo britânico, a Europa vive “horas dramáticas”: “é uma espécie de K.O com um murro no estômago". Na Grande Entrevista da RTP, Jorge Sampaio olha ainda para Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e para a prestação da seleção no Euro 2016.

“Apetecia-me atirar esta mesa pelo ar”. Seria o que Jorge Sampaio faria, não fosse ele “uma pessoa de boas maneiras”, se Bruxelas sancionasse Lisboa. As palavras são ditas com boa disposição pelo próprio, quando questionado sobre a possibilidade de Portugal ser sancionado por Bruxelas por desrespeito das metas do défice.

A questão foi colocada na Grande Entrevista da RTP, conduzida por Vítor Gonçalves. O tema dominante foi mesmo o referendo britânico, mas foi a eterna questão das sanções contra Portugal que motivou maior emoção. Afinal, as duas questões não estão assim tão desligadas.

“Acho isso qualquer coisa de extraordinário. No contexto atual, como se nada estivesse a acontecer à volta daqueles edifícios, olhar para uma situação de grande esforço que foi feito pelos portugueses” e “voltar ao formalismo dessa matéria” , explicita. Uma possibilidade “inconcebível”.

A concretizar-se a aplicação de sanções, Sampaio espera que mereça “um protesto veemente” dos partidos, de Belém e dos cidadãos. Perante a situação atual, o ex-secretário-geral do PS “esperaria da Comissão que me viessem dizer o que é que vamos fazer”.

Sampaio recorda que Portugal tem de ter “contas certas” mas que também precisa de ter oportunidade para fazer crescer a economia. “Já se percebeu que estas estratégias não dão para o que é necessário”, afirma. Apesar da crítica, o ex-Presidente considera que não é tempo de fazer um referendo em Portugal. É hora de reconstruir o projeto europeu.
Horas dramáticas

Jorge Sampaio considera que a Europa está a viver horas “dramáticas”, apontando que a saída do Reino Unido é um “terramoto”. “É um momento muito difícil para o Reino Unido e para a União Europeia a 27”.

O ex-presidente avisa mesmo que este pode ser o “início de uma desagregação”, sendo hora de avançar com uma "espécie de reconstrução” da União Europeia. Sampaio recorda que o Brexit não é o único problema atual. Há o aproximar de eleições em França e na Alemanha, a crise económica, os desafios no Médio Oriente e em África e a relação com Moscovo.

“A Europa teve sempre crises, soube sempre ultrapassá-las. Mas isto é uma espécie de K.O. com um murro no estômago”, defendendo que esta “não é manifestamente uma crise igual às outras”.

Mesmo assim, Jorge Sampaio aponta ser contra os episódios que marcaram o dia de terça-feira no Parlamento Europeu. O governante considera que as instituições europeias não devem exercer pressão como forma de castigar o Reino Unido, mas avisa que não se pode deixar esta questão no ar eternamente.

O ex-presidente da Câmara de Lisboa critica também a reunião que se realizou entre países fundadores do projeto europeu. “Agradecemos muito aos fundadores mas não é disso que se trata agora na União Europeia”, afirma. A mesma postura apresenta para as reuniões entre a Alemanha, França e Itália.

“A verdadeira questão é o que é que os 27 querem fazer no futuro e como é que vão fazer”, afirma. Sampaio diz-se surpreendido por não estar nada preparado para este cenário, apontando que o Brexit era “francamente previsível”. Sampaio fala em reações emocionais e recorda que o “choque tem de durar pouco tempo”. “Os líderes têm a responsabilidade de ser líderes”, salienta.

Sampaio avisa ainda que “o imobilismo é fatal” e que é preciso ser claro quanto aos referendos. “São consultas democráticas mas não é à beira de um precipício. O precipício agora tem de ser preenchido com novas ideias e novas terras que é para podemos por os pés no chão e dar confiança às pessoas”.
“Declive” do europeísmo
Ainda na análise ao referendo britânico, Jorge Sampaio menciona que há um “abaixamento” das posições favoráveis à União Europeia. O desemprego, o aumento da desigualdade e o processo decisório pouco transparente das instituições europeias são fatores que o ex-Presidente considera explicativos deste “declive”. Sampaio aponta também críticas aos líderes europeus.

“As pessoas não assumem, quando chegam aos seus países, que aquilo foi a decisão geral e global e que estão disponíveis para a defender. Aquilo foi lá e agora aqui é o que me convém”. Críticas à parte, aquele que assumiu a chefia do Estado até 2006 mantém o apoio ao projeto europeu.

“Este é o nosso lugar. Nós temos que reivindicar um papel nessa Europa a 27, com tudo o que isso significa, e sermos proactivos e pormos em cima da mesa as nossas capacidades”, apela.
“Precisamos de imigração”
Quanto ao papel da imigração no referendo britânico, Jorge Sampaio considera que houve medos que foram “muito bem manipulados” e sublinha a importância dos fluxos migratórios para a demografia europeia. “Nós precisamos de imigração. Temos de a saber integrar na forma mais completa, aproveitar as pessoas que têm talentos diversificadíssimos”. Sampaio pede uma “sociedade aberta”.

O ex-Alto Comissário das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações tem promovido um programa que traz estudantes sírios para Portugal.

Na Grande Entrevista, o ex-Presidente sublinha ser uma “experiência fascinante” e elogia a compreensão das universidades e politécnicos que participam no projeto. O ex-chefe de Estado afirma que estes estudantes têm tido um percurso “quase de excelência” e sublinha a importância do ensino superior para o futuro destas regiões.

“Se queremos ter, no futuro, uma geração de substituição, tem de haver uma alternativa de preparação” que passa por iniciativa destas.
Guterres, Marcelo, Costa e o Euro
Durante a conversa com Vítor Gonçalves, Sampaio referiu ainda que António Guterres é “muito apetrechado” para o cargo de secretário-geral das Nações Unidas, mas relembra que não é só o perfil que está em causa. “É prematuro dizer o que vai acontecer”, afirma.

O ex-Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações faz ainda um “balanço positivo” dos meses de Governo de Costa. “O grande barulho foi porque era a primeira vez. Alguma vez tinha que ser a primeira”, analisa.
 
Sobre a presidência de Marcelo Rebelo de Sousa, o antigo chefe de Estado aponta que “ninguém consegue” acompanhar o ritmo do atual Presidente mas afirma que tem tentado seguir o “desdobramento permanente, em todas as frentes e todas as alturas” de Marcelo.

Sampaio acredita que este perfil cabe nas funções presidenciais, apontando que é preciso um Presidente “capaz de harmonizar” e fazer consensos.

“Até agora vai de vento em popa”, afirma Jorge Sampaio sobre Marcelo Rebelo de Sousa. Menos otimismo apresenta em relação à seleção nacional.

O ex-dirigente socialista considera o fervor em torno da equipa das Quinas “exagerado” quando comparado com o que jogam outras seleções mas apresenta esperança. Deixa o conselho: “temos de jogar um bocadinho mais”.
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