Pontos para cartas de condução desejados em Portugal geram mercado ilegal em Espanha

por Sandra Salvado, RTP
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Empresas e particulares espanhóis organizam-se para vender pontos de cartas de condução. O preço por ponto pode chegar aos mil euros e há até anúncios na Internet com telefones e emails. É um mercado ilegal que está a crescer em Espanha, onde o sistema de pontos vigora desde 2006. Portugal pode vir a adotá-lo este ano.

A carta de condução por pontos existe em vários países da Europa. É uma modalidade em que é atribuído ao condutor um determinado saldo de pontos. À medida que pratica infrações são-lhe retirados. Se o condutor perder todos os seus pontos, deixa de poder conduzir.

Há, por exemplo, infrações de excesso de velocidade que foram detetadas por radar, não sendo possível identificar quem realmente ia a conduzir. É aqui que a “rede” de venda de pontos entra.“Não é legal, mas não há problema nenhum”
Esta prática de venda ilegal de pontos até pode não estar provada pelas autoridades espanholas, mas através de uma lista interminável de contactos disponível na Internet foi possível ao online da RTP falar com uma das “vendedoras”, residente em Madrid.
“Eu dou o meu nome como condutora. Portanto, eu pago a multa e você paga-me a multa e os pontos. Não há problema nenhum. E mais, para que fique descansada eu tenho familiares polícias e perguntei-lhes: há problema se vender os meus pontos? Disseram que não. Não é legal mas não há problema nenhum”, relatou esta fonte ao telefone.“O mercado de pontos está aí"
“Aqui não há possibilidade de você ter problemas. Não somos só nós que fazemos isto. Imensa gente o faz. O mercado de pontos está aí. E foram os meus primos polícias que me disseram”, salientou a mesma “vendedora” de pontos espanhola.

“Eu apresento a minha carta, dou a minha morada, o meu nome, a minha identificação. Você nunca aparece. É impossível. Este Governo não persegue gente que vende pontos. Não acontece nada. Há coisas mais importantes do que perseguir quem vende pontos”, concluiu.

Em Espanha, há quem chegue a vender pontos a mil euros cada um. Na Internet estão disponíveis milhares de resultados e contactos telefónicos para fazer a “transação”.



Comprar ou vender pontos é um crime que, segundo a moldura penal espanhola, pode ir de seis meses a três anos de prisão e valer uma multa de seis a 12 meses.

A RTP contactou o gabinete de imprensa da Direção Geral de Trânsito de Espanha, segundo o qual “a venda de pontos não está provada e nunca houve nenhuma detenção”.

Foi solicitada uma entrevista, mas o assunto foi remetido para a Guardia Civil, que até ao momento ainda não prestou quaisquer esclarecimentos sobre a situação.
Carta de condução por pontos em Portugal
Em Portugal há muito que se fala em introduzir este sistema. Uma realidade que poderá materializar-se este ano, já que vai dar entrada na Assembleia da República, até final de março, uma proposta de lei que visa introduzir a carta de condução por pontos.

A intenção foi manifestada há poucos dias, no Parlamento, pelo secretário de Estado da Administração Interna, João Almeida. Um sistema que substituirá o atual regime das multas e da cassação do título.

“Já devia ter sido feito há mais tempo. É uma maneira mais fácil de os condutores controlarem os pontos que têm e de poderem perceber que têm de conduzir com mais cuidado”, disse ao online da RTP Carlos Barbosa, presidente do Automóvel Clube de Portugal.
No entanto, o presidente do ACP alerta para o que está a acontecer em Espanha, salientando que “o problema que tem existido - e é essa a grande discussão neste momento - é que há empresas que vendem pontos, ou seja, são empresas que têm pessoas que têm carta mas não conduzem e que vendem pontos para as pessoas que precisam deles. Cada vez aparecem mais empresas destas”.

Apesar de elogiar a medida em Portugal, Carlos Barbosa salienta que também há algum risco. “O que é preciso é que as autoridades não deixem que essas empresas apareçam”.A RTP Online contactou o Ministério da Administração Interna, que para já não quer prestar mais declarações sobre como vai ser o sistema português de carta de condução por pontos. Mais detalhes são remetidos para o momento da apresentação da proposta de lei.

À agência Lusa o MAI adiantou que “a decisão de alterar o atual regime resulta de uma avaliação realizada no âmbito da Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária e de uma análise comparativa com outros países”.
12 mil condutores em risco de ficar sem carta
À redação online da RTP a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) referiu que 11.828 condutores estão em risco de ficar sem carta de condução, caso cometam mais uma contraordenação grave ou muito grave.

Ainda segundo a ANSR, há 5.120 condutores em condições de verem as suas cartas de condução cassadas e, desde 2010, 41 condutores ficaram sem carta.

Numa resposta enviada Lusa, a Segurança Rodoviária refere ainda que a lei não obriga à notificação dos condutores, mas tal é feito "numa ótica preventiva e de transparência na sua relação com os cidadãos" e tendo em vista "alertar e sensibilizar para a necessidade de alterar os comportamentos".

O atual Código da Estrada prevê a cassação da carta de condução aos condutores que, no espaço de cinco anos, cometam três infrações muito graves ou cinco infrações entre graves e muito graves.
O que é a carta por pontos?
De um modo geral, “a carta por pontos consiste na atribuição ao condutor de um determinado número de pontos que lhe vão sendo retirados em função do tipo de infrações que vai praticando até que, se ficar sem pontos, fica sem carta de condução”, revela o portal de educação e segurança rodoviária.

Este sistema já funciona em alguns países da Europa, nomeadamente em França, Espanha e Luxemburgo e com sistemas, em alguns casos, muitos idênticos, nomeadamente no número de pontos (12) que são concedidos a cada condutor.

Em Portugal o sistema já esteve para avançar diversas vezes, mas nunca chegou a ser implementado. O Ministério da Administração Interna e a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária não quiseram avançar sobre qual será o modelo a aplicar, mas para Carlos Barbosa, do ACP, o sistema de carta por pontos deverá ter como base o modelo espanhol.

Este sistema não substitui as demais sanções previstas da lei, tais como o pagamento da coima ou a inibição de conduzir, daí que a perda de pontos é uma mera consequência da prática de infrações.

Em Espanha este sistema aplica-se a todos os condutores, profissionais ou não, mas o número de pontos não é igual para todos os condutores. Ou seja, aos condutores titulares de carta de condução há menos de três anos é atribuído apenas um saldo de oito pontos e aos restantes um saldo de 12.
Pontos perdidos, carta perdida
De acordo com este modelo, nem todas as infrações rodoviárias implicam a perda pontos. No entanto, existem infrações, como por exemplo a condução com uma taxa de álcool no sangue superior à estabelecida na lei, que implica, de uma só vez, perder seis pontos.

De acordo com o regime em vigor em Espanha, os pontos são retirados ao condutor quando a decisão administrativa se torne definitiva ou sentença judicial transitada em julgado.

Quando o condutor perde a totalidade de pontos da sua carta, a Administração, no prazo de 15 dias, notifica o condutor do fim da vigência da sua carta de condução.

O regime que se encontra a vigorar em Espanha prevê a possibilidade de um condutor aumentar o número de pontos da sua carta de condução, até um limite máximo de 15 pontos. Isso acontece apenas no decurso de um determinado período de tempo sem praticar infrações, ou se realizar de cursos de formação no âmbito da sensibilização, formação e educação rodoviária.
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