Barroso, Goldman Sachs e "portas giratórias" no Parlamento Europeu

por RTP
Christian Hartmann, Reuters

A polémica que rebentou com o ingresso de Durão Barroso na liderança do Goldman Sachs faz mexer novamente o Parlamento Europeu, que vai votar um relatório crítico para a contratação do ex-presidente da Comissão Europeia.

Esta semana que aí vem, os eurodeputados vão votar um relatório onde manifestam "grande preocupação" com a contratação do ex-presidente da comissão pelo banco de investimento.

O documento – um relatório das atividades da provedora de Justiça da União Europeia – encoraja também a que se continue a investigar as chamadas "portas giratórias" de antigos membros da comissão para o setor privado.

Antes da votação, haverá um debate com a provedora Emily O'Reilly, que insiste que a atual Comissão Europeia tem de esclarecer a sua posição face à nomeação de Durão Barroso.
Meses de polémica
A possibilidade de abrir um inquérito ao ingresso de Durão Barroso no Goldman Sachs havia sido já aventada pela provedora em finais do mês passado.

A Comissão de Ética de Bruxelas considerara a ida do ex-presidente da Comissão Europeia para o Goldman Sachs como pouco sensata, mas nada mais acrescentara num parecer que deixou insatisfeita a provedora de Justiça. Durão Barroso deixou a Comissão Europeia em outubro de 2014, sendo substituído por Jean-Claude Juncker. Em julho, foi tornado público que o ex-primeiro-ministro seria presidente não-executivo do Goldman Sachs Internacional, com o dossier da saída britânica da União Europeia.

Para Emily O'Reilly, em causa estava a conclusão do comité de ética ad hoc, ao considerar que as regras de integridade não foram violadas no processo que conduziu à entrada de Durão Barroso no Goldman Sachs. Apenas deixando uma observação: o antigo primeiro-ministro português “não demonstrou a sensatez que se esperava de alguém que ocupou o cargo de presidente durante tantos anos”.

O documento teve origem no requerimento do presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, que em setembro solicitou um parecer relativamente à designação do seu antecessor para o cargo de presidente não-executivo do banco de investimento norte-americano.

O comité de ética sublinha o compromisso assumido por Durão Barroso de não desempenhar o papel de “representante de interesses” do Goldman Sachs, considerando que o mesmo responde ao dever de integridade e discrição imposto pelo Tratado.
A ida de José Manuel Durão Barroso para o Goldman Sachs suscitou muitas críticas, incluindo de líderes europeus como o Presidente francês, François Hollande, e uma petição impulsionada por funcionários das instituições europeias, que reuniu mais de 150 mil assinaturas, a reclamar “medidas fortes” para pôr fim à chamada “porta giratória” em Bruxelas (a passagem de antigos comissários para cargos no setor privado que coloquem em causa a reputação das instituições da UE).
Após Juncker ter decidido solicitar um parecer ao comité de ética, ao abrigo do artigo n.º 245 do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que exige aos comissários e ex-comissários “o total respeito pelos princípios de discrição e integridade”, o comité estudou a troca de correspondência verificada, incluindo uma carta com explicações enviada por Durão Barroso ao atual presidente da Comissão, datada de 18 de setembro, na qual o antigo primeiro-ministro português nega que vá fazer lóbi na Goldman Sachs, nem tão-pouco irá ser conselheiro para as negociações relacionadas com a saída do Reino Unido da UE (Brexit), como inicialmente noticiado.

Recordando que a ida de Durão Barroso para o Goldman Sachs suscitou muitas críticas e reações tempestivas nos órgãos de comunicação social, sobretudo por o banco de investimento norte-americano ser visto como “o expoente de um banco de investimento agressivo”, particularmente criticado pelo seu papel na génese da crise financeira e por ter ajudado a ocultar as contas da verdadeira dívida da Grécia, o comité de ética considera que, “de facto, o sr. Barroso deveria ter tido noção de que iria provocar críticas e arriscava causar danos de reputação à Comissão e à União de uma forma mais geral”.

“Justificado ou não, este dano agora já foi feito. No entanto, o comité deve pronunciar-se não sobre a natureza sensata ou condenável da ação em questão, mas sobre se o sr. Barroso violou as suas obrigações legais relativamente ao dever de integridade e discrição”, sublinha o comité.
“Capitalismo agressivo”
Para este painel de ética, o simples facto de a escolha de Durão Barroso ter provocado tanta agitação, causando danos à reputação da Comissão e da UE, pode ser um indicador relevante de uma violação dos seus deveres, “mas por si só não é suficiente”, até porque, lembra o comité, o “Goldman Sachs pode ser considerado na vanguarda do capitalismo agressivo, mas enquanto respeitar a lei não é contra a lei aceitar um cargo no banco”.

Embora insista que José Manuel Durão Barroso não revelou o bom senso que se exigia de alguém que foi presidente da Comissão durante dez anos, o comité de ética conclui que, atendendo às informações prestadas pelo antigo governante sobre as responsabilidades na Goldman Sachs e aos princípios definidos no código de conduta dos comissários, “não encontrou bases [legais] suficientes para estabelecer uma violação do dever de integridade e discrição”.

Caso o comité de ética concluísse que tinha havido violação do Tratado, Durão Barroso poderia incorrer em sanções financeiras, a serem determinadas pelo Tribunal de Justiça.


c/ Lusa
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