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Boicote a cerimónias do 25 de Abril cria incómodos à esquerda e à direita

por RTP
"Longe de nós qualquer apelo à intervenção militar, antes pelo contrário", frisou ontem o presidente da Associação 25 de Abril, Vasco Lourenço Antena 1

Ao decidir ficar à margem das comemorações oficiais da revolução de 1974, em protesto pelo comportamento do “atual poder político”, a Associação 25 de Abril colheu manifestações de solidariedade de duas figuras históricas do PS, o antigo Presidente da República Mário Soares e o ex-candidato presidencial Manuel Alegre. Mas despertou, ao mesmo tempo, diferentes anticorpos à esquerda e à direita. Os comunistas demarcam-se do boicote, que dizem contribuir para a “menorização” da data. O vice-presidente da bancada parlamentar do PSD Carlos Abreu Amorim fala de um “episódio paralelo a uma ideia de brigada do reumático”.

É por entender que “a linha política seguida pelo atual poder político deixou de refletir o regime democrático herdeiro do 25 de Abril” que a estrutura dirigida por alguns dos militares que conduziram a revolução decidiu boicotar as cerimónias oficiais na Assembleia da República. O gesto consta de um manifesto intitulado “Abril não desarma” e ontem reproduzido pelo coronel Vasco Lourenço, que preside à Associação 25 de Abril.“Abril não desarma”

No manifesto ontem divulgado, a Associação 25 de Abril afirma que “a linha política seguida pelo atual poder político deixou de refletir o regime democrático herdeiro do 25 de Abril configurado na Constituição da República Portuguesa”.

O texto “Abril não desarma” ressalva que a “atitude” da Associação “não visa as instituições de soberania democráticas, não pretendendo confundi-las com os que são seus titulares e exercem o poder”.

“As medidas e sacrifícios impostos aos cidadãos portugueses ultrapassaram os limites do suportável. Condições inaceitáveis de segurança e bem-estar social atingem a dignidade da pessoa humana”, enfatiza ainda o manifesto, acrescentando que “o rumo político seguido protege os privilégios, agrava a pobreza e a exclusão social, desvaloriza o trabalho”.


“O poder político que atualmente governa Portugal configura um outro ciclo político que está contra o 25 de Abril, os seus ideais e os seus valores. Em conformidade, a Associação 25 de Abril anuncia que não participará nos atos oficiais nacionais evocativos do 38.º aniversário do 25 de Abril”, proclama o texto, para contrapor que a Associação “participará nas comemorações populares e outros atos locais de celebração” e “continuará a evocar e a comemorar o 25 de Abril numa perspetiva de festa pela ação libertadora e numa perspetiva de luta pela realização dos seus ideais, tendo em consideração a autonomia de decisão e escolha dos cidadãos, nas suas múltiplas expressões”.

A Associação 25 de Abril apela ainda “ao povo português e a todas as suas expressões organizadas para que se mobilizem e ajam, em unidade patriótica, para salvar Portugal, a liberdade, a democracia”.

E garante que “os militares de Abril” não querem “assumir qualquer protagonismo político”, sem deixar de sublinhar que os signatários do manifesto têm “plena consciência da importância da instituição militar, como recurso derradeiro nas encruzilhadas decisivas da História”.

“Por isso, declaramos a nossa confiança em que a mesma saberá manter-se firme, em defesa do seu país e do seu povo”, prossegue o texto da Associação 25 de Abril, numa passagem que, segundo Vasco Lourenço, não pode ser lida como um apelo a uma intervenção “fora da democracia”.
“Ausência vai fragilizar as comemorações”
Conhecida a posição da Associação 25 de Abril, sucederam-se as reações políticas. Ao início da noite de segunda-feira, o PCP demarcava-se do boicote. Numa nota citada pela agência Lusa, os comunistas defenderam a “valorização das comemorações oficiais do 25 de Abril, das quais emerge com particular significado a sessão que se realiza na Assembleia da República e cuja eliminação – que a direita pretende e já várias vezes tentou – contribuiria, de facto, para a sua menorização”.

Para o PCP, “nenhuma atuação de qualquer governo, por mais violadora dos valores de Abril que o seja – como há sucessivos anos o é – pode apagar ou justificar que se elimine” a “valorização e significado” do 25 de Abril. Uma ideia reiterada mais tarde, na RTP Informação, pelo deputado comunista Miguel Tiago.

“Se é verdade que o regime democrático está a ser ameaçado, que as conquistas do 25 de Abril estão a ser ameaçadas, é. Para nós, um regime democrático, ainda que baseado em eleições, parte do princípio de que as pessoas falam verdade e que apresentam programas políticos e programas eleitorais com verdade. Não foi o caso”, começou por salientar o parlamentar do PCP. “Esta ausência, na prática, vai fragilizar as comemorações solenes do 25 de Abril, que é uma antiga aspiração da direita portuguesa”, reiterou.

Ouvido pela Lusa, o Bloco de Esquerda evitou alargar-se em comentários, dizendo apenas respeitar a decisão da Associação 25 de Abril. Em sentido semelhante, o secretário-geral do PS, António José Seguro, manifestaria respeito pela “autonomia das associações cívicas”: “Temos um grande respeito pela Associação 25 de Abril. O Partido Socialista é signatário, também este ano, do manifesto de apelo à manifestação que ocorre todos os anos no 25 de Abril e registamos essa tomada de posição. Não tenho mais pormenores”.
“Brigada do reumático”
Mais áspera foi a reação de Carlos Abreu Amorim. O vice-presidente do grupo parlamentar do PSD acusou mesmo Vasco Lourenço de ter lido um documento com “aspetos intrinsecamente antidemocráticos”, estabelecendo ainda um “paralelo” entre a decisão da Associação 25 de Abril e “uma ideia de brigada de reumático”.

“No momento atual, o país tem problemas gravíssimos com que se debater. E no meio disto, este episódio quase que diria paralelo a uma ideia de brigada do reumático que aparece anacronicamente a tentar mostrar que existe”, atirou o deputado, para quem “mais importante até do que a posição em si mesmo, de se ausentarem das comemorações oficiais do 25 de Abril, é o texto extraordinário que foi lido por Vasco Lourenço”.

“Extraordinário no sentido dos aspetos intrinsecamente antidemocráticos de que ele se reveste”, criticou.

Em declarações captadas pela Antena 1, o líder parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, foi menos ácido. Quer para com a Associação 25 de Abril, quer diante das posições de solidariedade entretanto assumidas por Mário Soares e Manuel Alegre: “É uma decisão de uma Associação e de alguém que desempenhou o mais alto cargo político em Portugal que é tomada em liberdade. E se é tomada em liberdade deve ser respeitada. E é isso que eu faço. Respeito”.

“Não deixo de notar que é justamente em nome da liberdade, neste caso da liberdade política, da liberdade financeira, que este Governo está obrigado a cumprir um programa de assistência financeira muitíssimo difícil, com medidas muitíssimo exigentes, com grandes sacrifícios, que sete anos de desvario público, do Partido Socialista, nos trouxeram até aqui”, sustentou o dirigente democrata-cristão.
“Estão a vender as joias da coroa”
“Solidário” com a decisão da Associação presidida por Vasco Lourenço, Mário Soares confirmou ontem à noite que, também pela primeira vez, não estará presente na sessão solene do 25 de Abril na Assembleia da República. Porque entende que “a política” que está a ser seguida pelo Governo de Pedro Passos Coelho é contrária aos ideais da “Revolução dos Cravos”.

“Estou solidário com os heróis do 25 de Abril. Eu assisti ao que foi o 25 de Abril e o 25 de Novembro. Foram duas revoluções que permitiram que Portugal fosse outra coisa. Portugal desenvolveu-se extraordinariamente e agora estamos a destruir no Estado a Segurança Social, o Serviço Nacional de Saúde, tudo coisas que ajudámos a fazer”, assinalou o antigo Chefe de Estado.

“Sou solidário com os Capitães de Abril. Sou solidário com o 25 de Abril. Acho que o 25 de Abril foi uma grande revolução, pacífica, e acho que a política que se está a seguir é uma política contra, realmente, aquilo que é o espírito do 25 de Abril”, reforçaria o fundador do PS, reprovando depois o Governo por estar, nas suas palavras, “a vender as joias da coroa”: “Estão a vender tudo por qualquer preço, sem darem conta a ninguém do que estão a fazer. Eu [com] isso não estou de acordo”.

Também Manuel Alegre está solidário com a Associação 25 de Abril. Pelo que não estará na sessão solene do Parlamento. “O 25 de Abril tem uma grande carga, não só política como afetiva. Estar ali numa sessão solene da Assembleia, sem lá estarem os militares de Abril, aqueles que fizeram o 25 de Abril, derrubaram a ditadura, cumpriram a palavra, restituindo o poder ao povo através de eleições livres e democráticas, não tem um grande significado. É um ato pessoal, simbólico. A posição deles é uma posição simbólica. A minha é pessoal e é também um ato simbólico, mas de solidariedade para com aqueles a quem nós devemos a nossa liberdade e a nossa democracia”, explicou à Antena 1 o ex-candidato à Presidência da República.

“Este Governo saiu de eleições democráticas. Se lá está, deve àqueles que fizeram o 25 de Abril e agora não vão estar presentes nas cerimónias oficiais”, concluiu Alegre.
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