Comissão de Jurisdição do PS nega a Costa diretas e congresso

por RTP
O campo de António Costa considera agora, pela voz de Jorge Lacão, que ganha força a “urgência” de um congresso extraordinário para uma revisão dos estatutos do PS José Manuel Ribeiro, Reuters

Adensa-se o braço-de-ferro pelo leme do PS. Caiu por terra na Comissão Nacional de Jurisdição do partido o requerimento de António Costa com vista a eleições diretas e a um congresso extraordinário. Num parecer conhecido ao início da madrugada desta quinta-feira, aquele órgão argumenta que “não faz sentido” antecipar uma reunião magna. Porque quer o líder, António José Seguro, quer as demais estruturas dirigentes estão “em pleno exercício” de mandato. Apoiante do autarca de Lisboa, Jorge Lacão veio já clamar pela “urgência” de uma revisão estatutária.

António Reis e Ferreira da Silva são os relatores do parecer desfavorável às fileiras da oposição interna ao atual líder socialista. No texto, que comporta também a assinatura do presidente da Comissão Nacional de Jurisdição dos socialistas, o deputado Ramos Preto, conclui-se que o requerimento para eleições diretas e um congresso extraordinário eletivo colide com os estatutos partidários.

O parecer da Comissão de Jurisdição do PS, citado pela agência Lusa, trava, na prática, a discussão e a votação do requerimento formalizado por apoiantes de António Costa já no próximo domingo, em reunião da Comissão Nacional do partido.

As eleições primárias para a escolha do candidato socialista à liderança do governo estão marcadas para 28 de setembro. Um calendário tardio, na perspetiva do flanco de António Costa.


Chamado a pronunciar-se pela presidente do PS, Maria de Belém Roseira, o braço jurisdicional argumenta que uma reunião magna com a eleição de órgãos e a definição da “linha política” na ordem de trabalhos - quando os “titulares dos respetivos órgãos” estão “em pleno legítimo exercício” de mandato - “ofenderia os princípios da organização e da gestão democrática”.

Faltou ao requerimento, ainda segundo a Comissão de Jurisdição, a “fundamentação” que pudesse “justificar a convocação do congresso extraordinário”.

Desde logo a “ordem de trabalhos que possa justificar a necessidade do seu funcionamento”. Por outro lado, escrevem os relatores, “não faz sentido” marcar um congresso para eleger titulares de órgãos nacionais “em pleno exercício do seu mandato”, dado que “a designação dos titulares dos ditos órgãos ocorre em congresso ordinário”.

O cargo de António José Seguro tem a mesma blindagem: “O secretário-geral está em pleno exercício do seu mandato, pelo que só poderá haver eleições para esse cargo se o mesmo se demitir ou caso ocorra, por outra via, a vacatura do lugar, o que não acontece”.
“Fechamento”

Uma das figuras destacadas do Rato que se posicionaram ao lado de António Costa é o antigo ministro Jorge Lacão, para quem a decisão agora adotada pela Comissão Nacional de Jurisdição do PS só vem dar força à “urgência de uma revisão de estatutos sufragada em congresso extraordinário.

“Infelizmente, está a assistir-se ao fechamento da atual direção partidária, invocando os estatutos que foram, afinal, preparados para impedir a possibilidade da avaliação de mérito das lideranças e a possibilidade de novas escolhas no decurso dos mandatos”, reagiu Lacão, em declarações à Lusa.

“Não deixa de ser muito estranho que quem reivindica a legitimidade de eleições antecipadas para o país se abrigue atrás de regras estatutárias para impedir o partido de exprimir abertamente a sua vontade”, acentuou o antigo governante, para insistir na ideia de que o parecer do órgão jurisdicional socialista só “torna ainda mais necessário e urgente” um congresso extraordinário.

“Porque se se invocam os estatutos para impedir as opções democráticas que o PS precisa de fazer, então o congresso justifica-se desde logo para rever essas regras estatutárias que impedem a normal expressão da democracia interna do partido”, reforçou Jorge Lacão.
Soares vai à liça
Este parecer foi divulgado pouco depois da sessão de apresentação da candidatura de Costa à liderança. Centenas de apoiantes do autarca preencheram o Teatro Tivoli, em Lisboa. Para ouvirem o candidato. Mas também o fundador do partido. Mário Soares saiu uma vez mais a público para bombardear a direção de António José Seguro com duras críticas.

“António Costa vai fazer do PS um grande partido, um partido de esquerda. E não vai ser um PS feito com a direita, só para ter lugares”, atirou o antigo Presidente da República.

“Nestes últimos três anos nunca ouvi falar do PS. Isto acontece porque aqueles que se diziam chefes do PS nada têm a ver com o PS. É preciso que as coisas mudem e vão mudar com António Costa, que é do PS desde os 14 anos”, disse ainda Soares, que a dada altura voltaria a orientar a mira para Seguro: “Há quem nunca fale do PS, mas ande sempre a dizer vou ser primeiro-ministro, quero ser primeiro-ministro. É qualquer coisa de estranhíssimo”.


Foto: Rafael Marchante, Reuters

Por sua vez, António Costa advogou uma via de “diálogo à esquerda”. Para depois condenar as propostas da atual direção do PS no sentido de uma revisão da lei eleitoral, entre as quais a da diminuição do número de deputados à Assembleia da República de 230 para 180.

“Nunca fechei essa porta e nunca fecharei essa porta do diálogo à esquerda, mas a experiência tem-me ensinado que não basta ter a porta aberta para quem não quer entrar. Por isso, sei bem que só com um PS forte poderá um dia haver um diálogo construtivo à esquerda e nunca haverá enquanto houver um PS fraco”, propugnou.

“Uma coisa sei: o debate à esquerda faz-se pelas ideias, faz-se pelo combate político, como fez Mário Soares em 1975, mas não se faz por soluções de secretaria, através de mudanças à pressa de uma lei eleitoral, para eliminar na secretaria o peso eleitoral do Bloco de Esquerda e do PCP”, frisaria Costa, acrescentando que “a proporcionalidade” do sistema eleitoral “é algo de sagrado para os socialistas”.
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