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Guterres acusa a Europa de não saber lidar com os refugiados

por RTP
Fotis Plegas, Reuters

O ex-alto comissário da ONU para os refugiados explicou em entrevista à RTP que a Europa recebe um número insignificante de refugiados em comparação, por exemplo, com o Líbano. E mesmo assim tem falhado na resposta ao problema. Guterres reiterou que a intervenção na política portuguesa é um "capítulo fechado" da sua biografia.

Numa Grande Entrevista conduzida por Vítor Gonçalves, o ex-primeiro ministro explicou também os motivos que teve para recusar a candidatura à Presidência da República. Guterres diz ter preferência pela acção, pelo trabalho no terreno, tal como tem vindo a realizá-lo no âmbito do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados).
Pouca vocação para empunhar o apito presidencial
Ora, explicou também, o cargo de presidente da República é, em larga medida, o de um árbitro de equilíbrios institucionais e de observâncias legais e constitucionais.  "E eu, sinceramente, do que gosto é de jogar à bola", rematou.

António Guterres admitiu que a sua recusa a assumir uma candidatura presidencial tenha causado decepção em faixas do público, que continua a ser-lhe manifestada em diferentes ocasiões. Por isso mesmo, prosseguiu, sente "uma dívida", em especial com o seu partido, o PS.

O modo de saldar essa dívida consiste em manter um perfil discreto, que não cause ao seu partido problemas adicionais. Recusa por isso pronunciar-se sobre as candidaturas presidenciais existentes enquanto não houver algum pronunciamento por parte do próprio PS.

Considerando que esse pronunciamento provavelmente não virá a ocorrer, e repetida pelo entrevistador a pergunta sobre a posição que adoptaria numa eventual segunda volta, Guterres não quis comprometer-se com um estrito cumprimento do que viesse a ser, nesse caso, a indicação de voto do partido, mas admitiu que essa indicação seria para ele um factor de muito peso.
ONU ajuda apenas "uma gota de água" no oceano
A maior parte da entrevista foi, contudo, dedicada ao trabalho que teve Guterres durante cerca de dez anos como alto comissário da ONU para os refugiados. Considerou, a esse respeito, "um privilégio" ter dedicado esse tempo a trabalhar em prol das pessoas mais vulneráveis. Lembrou os casos dramáticos com que teve contacto e sublinhou o agravamento das condições de vida que os conflitos bélicos têm trazido para milhões de pessoas.

O ex-alto comissário lembrou que, ao tomar posse do cargo, o ACNUR ajudava 100.000 pessoas por ano a saírem dos campos de refugiados, para uma vida mais organizada. E admitiu que esse número é "uma gota de água no oceano", tendo em conta que há actualmente no mundo cerca de 60 milhões de pessoas "deslocadas".

Guterres deu o seu testemunho pessoal sobre a dificuldade que tinha em se fazer ouvir nas Assembleias Gerais da ONU, em que todos os anos costumava comparecer, para tentar sensibilizar os líderes mundiais para a situação dos refugiados. A partir do ano passado, pelo contrário, notou uma receptividade maior e notou a presença do tema relativo aos refugiados nos discursos dos principais dirigentes políticos. A eclosão da crise tinha chamado a atenção para o tema.

Em consequência, diz que "nunca tivemos tanto apoio como neste último ano, mas ao mesmo tempo nunca vivemos uma tão grande preocupação".
Europa fracassa diante da vaga de refugiados
E a preocupação é tanto mais premente, quanto a União Europeia tem fracassado estrondosamente na resposta ao afluxo de refugiados, procurando cada país europeu criar condições de acolhimento piores que as dos países vizinhos, para desencorajar os refugiados de o demandarem como destino, e para os empurrar para outros destinos.

Todos estes fenómenos de egoísmo nacional dão-se, por outro lado, sobre o pano de fundo de um colapso da liderança central europeia, que nada controla das políticas nacionais e que deixa nas mãos do traficantes o controlo dos fluxos migratórios.

Guterres lembra, a propósito, que o problema colocado à União Europeia está longe de ser o mais dramático que colocam os refugiados à escala global: "Estamos a falar de um milhão de pessoas, grosso modo, que entrou na Europa durante um ano, menos de dois por cada mil cidadãos da UE, quando no Líbano temos um em cada três".

Lembra também o multiculturalismo presente na Europa, originariamente uma "encruzilhada de civilizações", e afirma que os refugiados vêm de 80 países diferentes, e não apenas da Síria.

Quanto às perspectivas para o seu futuro, António Guterres respondeu de forma evasiva à hipótese de vir a ser secretário-geral da ONU, lembrando que isso depende de diversas variáveis.
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