Passos assume-se líder da oposição e reconhece legitimidade ao atual Governo

por Andreia Martins - RTP
Passos Coelho no arranque do 36º Congresso do PSD, em Espinho José Coelho - Lusa

No discurso de lançamento do 36º Congresso do PSD, Pedro Passos Coelho apresentou a sua moção de estratégia global do partido com muitos recados e críticas à governação socialista. No entanto, assume que o cenário de eleições está afastado a curto prazo, reconhecendo legitimidade à atual solução governativa, que diz estar “mais consistente”. Ainda houve tempo para lembrar as conquistas do anterior Executivo e para enviar “um abraço muito forte” ao Presidente da República.

Pedro Passos Coelho apresentou-se perante os militantes sociais-democratas, em Espinho, numa posição inédita para um líder partidário: comandar as forças da oposição enquanto ex-primeiro-ministro, com uma oposição interna que se começa a desenhar, mas que é ainda muito amena, perante um líder incontestável que alcançou 95 por cento de votos nas eleições internas de março.  

No 36º congresso do PSD, o quarto em que participa como Presidente do PSD, Passos Coelho definiu a estratégia do partido para os próximos anos, sem deixar de mencionar as conquistas e o legado do anterior Governo.
Tiago Contreiras - RTP

Foi com essa retrospetiva do passado que o antigo primeiro-ministro escolheu iniciar o longo discurso: “Tenho consciência de ter contribuído para que o nosso país tenha uma perspetiva bem diferente daquela que herdámos, quando chegámos ao Governo em 2011”, começou por afirmar. 
“Dever cumprido”
O líder social-democrata reiterou que não se devem repetir “as erros dos modelos económicos do passado” nem aceitar o domínio de “miopia política” que durante muitos anos conduziu Portugal para uma “estratégia errada, com um modelo assente no consumo” e “muita indisciplina financeira”. Fatores que, argumenta Passos, conduziram ao “desastre da dívida e à quebra de confiança”.
 
“Coube-nos a nós, com a ajuda do CDS, resgatar o país desse drama horrível”, de onde a face mais visível foi “o desemprego galopante”, segundo as palavras do líder social-democrata.

Em tom de elogio à governação que o próprio protagonizou, Pedro Passos Coelho fala de um ponto de partida para um novo ciclo “muito diferente daquele que tivemos em 2011”, com condições “incomparavelmente melhores”. Sem deixar de reconhecer alguns erros durante a governação, Passos diz-se de consciência tranquila: “Fechámos 2015 com a noção de dever cumprido”. 
 
Desta nova realidade, o presidente do PSD destaca o défice de número não superior a três por cento, “uma questão de honra” para o anterior Governo. Só dessa forma, garante, “o país reconquistou a sua credibilidade e confiança quer junto dos investidores, quer junto dos portugueses”, a quem elogia a “determinação e espírito de sacrifício”.  

Os números do défice, acusa, só não foram inferiores pela atuação do PS ainda durante o ano de 2015. O défice "só não foi aritmeticamente inferior a 3 por cento por muito pouco". Ficou a faltar "um bocadinho mais de zelo" por parte do Partido Socialista, na altura em que chegou ao Governo.
“Defender os portugueses” na oposição
Ainda debruçado sobre os eventos que marcaram o espetro político durante os últimos meses, Passos aproveitou o lançamento do congresso para refletir na nova posição assumida pelo PSD no cenário pós-eleições legislativas. 

“Não fomos capazes de ter uma maioria suficiente para governar, e aceitamos isso com muita humildade. Reconhecemos a legitimidade, que constitucionalmente o atual governo busca no Parlamento. (…) Estamos involuntariamente na oposição, mas não nos sentimos incomodados com isso”, reiterou Passos no discurso que abriu as hostilidades deste congresso. 

Segundo Passos, a moção de estratégia apresentada no atual congresso, apresenta as diretrizes do PSD nos próximos anos de forma a “defender os portugueses também na oposição”. 

Entre os problemas do país onde é necessária intervenção urgente, Passos destaca as desigualdades sociais e de oportunidades, realidades que “os anos de crise podem ter agudizado”. 
Recados para Costa
Não estando à frente do Governo, o líder do PSD promete “o mesmo sentido de responsabilidade” enquanto principal força da oposição. 

Pedro Passos Coelho não deixou de reconhecer, ainda assim, a estabilidade governativa que a direita não esperava. “A atual maioria sustenta o Governo, identifica-se com ele e tem vindo a ganhar consistência. Devemos reconhecê-lo. Essa maioria assegura a estabilidade política”.

Num tom irónico, o antigo primeiro-ministro refere que vai poder exercer o seu mandato sabendo que não depende de si o "sucesso governativo". Até porque, lembra, António Costa disse noutras ocasiões que o executivo não necessita dos votos do PSD para governar. 

“Não desejamos que as coisas corram mal ao país para poder responsabilizar o Governo e a maioria, mas temos o dever de não apoiar políticas que conduzirão a maus resultados”, reiterou Passos Coelho, lembrando os avisos da agência canadiana de rating, a DBRS: “Se Portugal perder este rating, dificilmente escapará a um novo resgate”. 

É este o cenário negro que o ex-primeiro-ministro prevê, em consequência da posição “desafiadora” adotada pelo atual executivo.

“Por obsessão, [este Governo] reverte as reformas estruturais que foram feitas no passado”, expondo os portugueses a novos e mais elevados “riscos” desnecessários. 

Entre as críticas, Pedro Passos Coelho não deixou de mencionar indiretamente a interferência de António Costa nos negócios entre a empresária angolana Isabel dos Santos e o setor bancário.

“O próprio primeiro-ministro, envolve-se diretamente em negociações privadas de acionistas privados, de bancos privados, no nosso país”, uma situação que compromete as “regras de isenção”, reitera. 
Abraço para Marcelo
Passos Coelho não esqueceu a eleição recente do Presidente da República em quem recomendou o voto. “Ficámos muito contentes por ter uma figura da área não socialista ter conseguido recolher mais de 50 por cento dos votos dos portugueses”, disse.

"Ao suspenso militante do PSD Marcelo Rebelo de Sousa, desejamos-lhe, deste Congresso também, com muito afeto, um abraço muito forte, com os votos de que possa ter um mandato com muita esperança para os portugueses e recheado dos maiores sucessos", declarou Passos Coelho. 

À margem dos partidos e sem se confundir com “a espuma dos dias” na relação com outros órgãos de sobernia, o Presidente da República “deve exercer o mandato com a preocupação de unir os portugueses ”.
Reformas da Segurança Social e sistema eleitoral
A reta final do discurso inaugural focou-se na moção de estratégia global, “Compromisso Reformista”, que Passos levou para Espinho para discutir com os militantes, até ao próximo domingo. Defendeu um Estado capaz de inovar e atrair investimento, que “não anda atrás do prejuízo”. 

Escolheu como grandes temas de abertura a requalificação do aparelho do Estado, as desigualdades sociais e a recessão demográfica, uma das mais graves da Europa. À boleia dessa realidade, a importância de discutir a sustentabilidade da Segurança Social: “Para que cada um saiba muito bem com que pensão pode contar no futuro”. 

Outro ponto focado no discurso foi a reforma do sistema eleitoral, com o sistema de voto preferencial. Até porque não haverá eleições até às autárquicas de 2017: “Não temos à vista eleições legislativas, e eu espero que não tenhamos tão cedo”, disse o líder social-democrata. 

Em tom de esperança, Passos terminou a elocução avisando que o populismo “pode ser uma doença perigosa das sociedades democráticas”, mas que acredita num país que ultrapassou a “experiência traumática” dos anos recentes. 

As dificuldades, assume, são domésticas e afetam o próprio partido, que se reúne em congresso com as principais vozes críticas ausentes. Mas Passos Coelho acredita estar em posição de se superar: “O que temos pela frente não é fácil, nem para o PSD nem para o país. Talvez por isso tenhamos de ir buscar o melhor de nós próprios, e ir buscar força à força que os portugueses revelaram”, reiterou.  
 
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