Sócrates nega mão em negócio de compra da TVI

por RTP
"Eu mantenho tudo o que disse no Parlamento", disse Sócrates à margem da inauguração do Parque Tecnológico de Cantanhede Paulo Novais, Lusa

O primeiro-ministro reafirmou esta terça-feira que “nunca” o Governo socialista deu “orientação à PT para comprar nenhuma estação de televisão”. No dia em que foi aprovado o requerimento do PSD para a realização de audições sobre a liberdade de expressão, José Sócrates acusou a Oposição de aproveitar a divulgação “ilegal” de escutas para o atacar.

Depois de ter apontado o dedo, no fim-de-semana, ao que considerou ser um "jornalismo de buraco de fechadura", na sequência das notícias publicadas nos jornais Sol e Correio da Manhã, o primeiro-ministro ataca agora os partidos da Oposição, isolando o PSD na acusação de desrespeito por decisões com as chancelas do Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, e do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento.

"Eu gostaria de recordar, em primeiro lugar, e parece que sou forçado a isso, aquilo que são as regras básicas do Estado de Direito. O Estado de Direito exige, em primeiro lugar, que se respeitem as leis. E exige também que se respeitem as decisões dos tribunais e das instituições judiciárias", assinalou Sócrates.

"Em segundo lugar, gostaria também de recordar, porque lamentavelmente nenhum outro partido o fez, que a divulgação de escutas, que me foram feitas, pelo semanário Sol é um acto criminoso, é um acto ilegal. É um crime contra as pessoas, desde logo contra a sua privacidade, porque essas escutas, como foram consideradas sem relevância criminal, regressam ao domínio privado. Mas sendo um crime contra as pessoas não deixa também de ser um crime contra a justiça. E o que eu lamento é que não tenha havido nenhum partido que tenha criticado esse crime, criticado essa violação da lei, criticado esse abuso por parte desses jornalistas", prosseguiu o primeiro-ministro.

Negócio "totalmente independente da vontade do Governo"

Na edição da passada sexta-feira, o semanário Sol publicou extractos do despacho em que o juiz de Aveiro responsável pela instrução do processo Face Oculta, António Costa Gomes, refere a existência de "indícios muito fortes da existência de um plano", com o envolvimento do primeiro-ministro, para controlar a TVI e afastar a jornalista Manuela Moura Guedes e José Eduardo Moniz, antigo director-geral da estação televisiva de Queluz de Baixo. O despacho do juiz de instrução criminal da Comarca do Baixo Vouga inclui transcrições de escutas telefónicas que envolvem Armando Vara e Paulo Penedos, ambos arguidos no processo Face Oculta, e Rui Pedro Soares, administrador executivo da Portugal Telecom.

O tema foi retomado no sábado pelo Correio da Manhã, que se baseou nos mesmos extractos para revelar que o primeiro-ministro e Armando Vara, actual consultor do Millennium BCP, teriam sido os protagonistas de um "plano para condicionar e constranger" a acção do Presidente da República, controlar órgãos de comunicação social recorrer a verbas de empresas públicas em prol do PS - o jornal adiantou que a cúpula do partido do Rato teria por objectivo levar o país para eleições antecipadas em 2011, perante a perda da maioria absoluta.

José Sócrates reitera que o Executivo se manteve à margem da "intenção estratégica" da Portugal Telecom: "Todos aqueles que referem uma ligação entre Governo e PT no que diz respeito à intenção da PT de comprar a PRISA estão a faltar à verdade. Eu mantenho tudo o que disse no Parlamento e quero dizer de novo que nunca o Governo deu nenhuma orientação à Portugal Telecom para comprar nenhuma estação de televisão".

"A PT, aliás, já explicou e já divulgou que há muito tempo tinha essa intenção estratégica e que decidiu fazer esses contactos com vista ao desenvolvimento desse negócio. Isso foi totalmente independente da vontade do Governo", insistiu.

"Pôr em causa o Estado de Direito"

Sócrates disse ainda lamentar "que os partidos, todos sem excepção, não tenham tido o pudor de aproveitar o cometimento de um crime para com esse crime atacarem os seus adversários políticos". Na óptica do primeiro-ministro, "isso quer dizer que, para esses partidos, já vale tudo, nenhuma regra deve ser observada".

"Isso é pôr em causa o Estado de Direito", contratacou José Sócrates, acrescentando que "os partidos agora foram longe de mais".

"Finalmente, quero também observar a falta de princípios desses partidos, que os levou a fazerem ataques de carácter contra mim, coisa que já fizeram no passado e que o PSD está constantemente a fazer ao longo destes cinco anos, porque nunca aceita os resultados das eleições, acha sempre que vence os outros com base em histórias deste tipo", acusou.

"O que o PSD hoje diz não é apenas para me atacar a mim, é para atacar as decisões do senhor Procurador-Geral da República e do presidente do Supremo Tribunal de Justiça. É absolutamente lamentável que um político tenha que lembrar a outros políticos que é preciso respeitar a separação de poderes Eu não aceito. E quero para mim o mesmo que quero para qualquer cidadão, que não haja nenhum organismo político que se substitua àquilo que são competências da justiça. Se algum partido, como o PSD, ou alguns dirigentes do PSD, não está satisfeito com as decisões judiciárias, cumpre-lhe acatá-las e respeitá-las. O que não é bonito é tentar aproveitar crimes que foram cometidos para agora atacar o Procurador-Geral da República e o presidente do Supremo Tribunal de Justiça", frisou.

Na sequência da notícia avançada semanário Sol, Pinto Monteiro anunciou a intenção de desencadear um inquérito à publicação de escutas do processo Face Oculta. O Procurador-Geral afirmou também que não alterava "absolutamente nada no que decidiu nos despachos a propósito proferidos, por não existir qualquer fundamento jurídico para tal". E remeteu para os despachos assinados por Noronha Nascimento, que considerou nulas as escutas de conversas telefónicas entre Vara e Sócrates.

"Aliás, as questões relacionadas com as referidas escutas foram decididas em definitivo pelos despachos do senhor presidente do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos no uso de competência própria e já transitados em julgado", lia-se numa nota publicada na sexta-feira pela Procuradoria-Geral da República.

Requerimento do PSD aprovado com votos contra do PS

As declarações de José Sócrates foram feitas no dia em que os sociais-democratas viram aprovado o seu requerimento para que a Comissão de Ética da Assembleia da República efectue um conjunto de audições sobre o exercício da liberdade de expressão no país. Com a excepção do PS, todas as forças políticas votaram favoravelmente a proposta do maior partido da Oposição.

O requerimento do PSD propõe a realização de um total de 25 audições, a que se soma a chamada do ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão, sugerida pelo CDS-PP. Os sociais-democratas pretendem que sejam ouvidos em primeiro lugar os últimos nomes que figuram na lista: os jornalistas Mário Crespo, José Manuel Fernandes, Manuela Moura Guedes, Felícia Cabrita e Ana Paula Azevedo, o antigo director-geral da TVI José Eduardo Moniz, o antigo governante socialista Arons de Carvalho, Armando Vara, Paulo Penedos, na qualidade de assessor da PT, e o administrador da empresa de telecomunicações Rui Pedro Soares.

Da lista agora aprovada constam ainda os nomes dos presidentes dos conselhos de administração da Controlinveste, Joaquim Oliveira, da Cofina, Paulo Fernandes, da Portugal Telecom, Henrique Granadeiro, da Ongoing, Nuno Vasconcelos, assim como o presisdente da Comissão Executiva da PT, Zeinal Bava, o administrador delegado da Media Capital, Bernardo Bairrão e o administrador da PRISA Manuel Polanco.

"Há vários anos que o PSD tem vindo a referir o condicionamento da comunicação social por parte do Governo PS", salientava na segunda-feira, em conferência de imprensa, o líder parlamentar social-democrata, José Pedro Aguiar-Branco.

O PSD condiciona aos resultados dos trabalhos da Comissão de Ética a sua posição sobre a proposta do Bloco de Esquerda para a constituição de uma comissão de inquérito parlamentar. Para Aguiar-Branco, "é importante fazer estas audições desde já, porque uma comissão de inquérito, independentemente da bondade da mesma, nunca poderia ocorrer antes de Março e com isto perder-se-ia a actualidade em relação a uma matéria relevante".

"Eu acho que nós hoje vivemos um clima difuso e estranho na sociedade portuguesa que tem que ser ultrapassado e o Parlamento não pode passar ao lado disso. A verdade é que hoje é comum todos chegarmos à conclusão de que o primeiro-ministro, que o poder, digamos assim, executivo do nosso país, convive mal com a crítica, com a livre expressão de opinião e isso é insustentável numa democracia que se quer evoluída", sustentou à RTP o deputado social-democrata Pedro Duarte.

Louçã insiste em comissão de inquérito

No termo de uma audiência com o Procurador-Geral da República, o coordenador político do Bloco de Esquerda voltou a dizer-se confiante na viabilização de um inquérito parlamentar à alegada interferência do Executivo de José Sócrates no negócio gorado de aquisição da TVI pela PT.

"Acho que nenhum partido disse que rejeitava e fazem bem em não a rejeitar", afirmou Francisco Louçã, que disse ainda registar "a atitude que o PSD, o PCP e até o PS tomaram de não fecharem as portas à forma mais elevada que o Parlamento de de verificar a actuação de um Governo. Se não se justifica neste caso uma comissão de inquérito, então as comissões de inquérito não têm razão para existir", frisou Louçã.

"Eu não peço a nenhum tribunal que actue em relação a uma matéria que está juridicamente encerrada. Queremos uma investigação sobre um acto político do Governo", explicou o dirigente bloquista.

Socialistas propõem mais 22 audições

O PS apresentou, por sua vez, um requerimento à Comissão de Ética com vista à realização de mais 22 audições, incluindo os nomes dos directores do Diário de Notícias, João Marcelino, do Jornal de Notícias, José Leite Pereira, da Rádio Renascença, Francisco Sarsfield Cabral, da TSF, Paulo Baldaia e do coordenador editoral da revista Visão. A lista inclui também Emídio Rangel, o jornalista Óscar Mascarenhas e os provedores da RTP, Paquete de Oliveira, e do Diário de Notícias, Mário Bettencourt Resendes.

Para além destes nomes, os socialistas propõe as audições do presidente do Conselho de Opinião da estação pública de televisão, Coelho da Silva, do presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, Pedro Mourão, do juiz desembargador Eurico Reis, do professor universitário e antigo deputado do PS Arons de Carvalho e dos professores da Universidade do Minho Joaquim Fidalgo, Felisbela Lopes e Helena Sousa. O professor da Universidade Católica de Lisboa Rogério Gomes, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o Sindicato dos Jornalistas, o Observatório da Comunicação Social, o Observatório da Justiça e a Confederação de Meios de Comunicação Social completam a lista apresentada pelo PS.

A deputada do PS Inês de Medeiros havia afirmado no fim-de-semana que o partido estaria disposto a viabilizar o requerimento do PSD, embora discordasse dos pressupostos invocados. Uma posição mantida durante a reunião parlamentar desta segunda-feira. "Somos a favor desta iniciativa, mas não podemos aceitar os pressupostos, que dizem que este Governo limita a liberdade de expressão".

Os deputados do PS acabaram por votar contra, depois de solicitarem alguns minutos para discutir o sentido de voto. Todos os deputados da Oposição deixaram claro que pretendem a realização das audições com carácter de urgência.

"Há, quanto à questão da liberdade de expressão, um problema político a resolver. E esse problema político é a maneira como o Governo do engenheiro José Sócrates se relaciona com a comunicação social", advogou a deputada do CDS-PP Cecília Meireles.

"A matéria da liberdade de expressão, que é aliás um direito constitucional conquistado com a Revolução de Abril, só pode merecer por parte desta Assembleia o maior respeito e a maior dedicação", afirmou, por seu turno, a deputada comunista Rita Rato.

O requerimento do PS vai ser debatido e submetido a votação na próxima semana. Quanto às audições já aprovadas, o social-democrata Luís Marques Guedes, presidente da Comissão de Ética, comprometeu-se a "diligenciar no sentido de começar a fazer uma programação".

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