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Travão à lei do enriquecimento injustificado arma a oposição

por Carlos Santos Neves - RTP
O PSD promete voltar à carga, na próxima legislatura, com nova proposta para criminalizar o enriquecimento injustificado Pedro A. Pina - RTP

O coletivo de juízes do Tribunal Constitucional reprovou ontem o diploma da maioria para a criminalização do enriquecimento injustificado. O que, para PS, PCP e BE, deixa patente a “incompetência” de PSD e CDS-PP ou não passa do desfecho expectável de “uma manobra”. Pedro Passos Coelho lamenta. Os social-democratas prometem voltar à carga.

Foram duas as normas rejeitadas pelos juízes conselheiros do Palácio Ratton. A decisão, adotada por unanimidade, fez cair o diploma aprovado a 29 de maio, no Parlamento, com os votos das bancadas da maioria e uma negativa transversal a toda a oposição.O Presidente da República havia requerido a 2 de julho a fiscalização preventiva da constitucionalidade de normas do diploma sobre o enriquecimento injustificado.


O Tribunal Constitucional, resume-se na nota difundida depois do anúncio público do acórdão, “entendeu que a incriminação do enriquecimento injustificado, tal como feita pelo decreto da Assembleia da República, não só não cumpre as exigências decorrentes do princípio da legalidade penal como, ao tornar impossível divisar qual seja o bem jurídico digno de tutela penal que justifica a incriminação, viola o princípio da necessidade de pena”.

Os juízes conselheiros entenderam ainda que, “logo na formulação do tipo criminal e pelo modo como ele foi constituído, se contrariou o princípio da presunção da inocência”.

Após a leitura pública da decisão, o próprio presidente do Tribunal Constitucional acentuaria a ideia de falhas de “precisão” no diploma aprovado por social-democratas e democratas-cristãos.

O modo como a incriminação surgiu formulada, explicou Joaquim de Sousa Ribeiro, não apontou “com o mínimo de precisão uma ação ou omissão que possa ser alvo de uma censura jurídico-penal”. Pelo que o Tribunal considerou que saíam lesados, de um só golpe, os princípios da legalidade penal, associada à “definição rigorosa dos elementos típicos do crime”, da necessidade de pena e da presunção de inocência.
“Fingir”

Sem poupar na dureza das palavras, os socialistas ensaiam um par de leituras para o desfecho do pedido de fiscalização de Cavaco Silva: o chumbo do Constitucional deixa a descoberto, na melhor das hipóteses, a “incompetência” da maioria; ou, em alternativa, um exercício de “demagogia”.

“Quem vê rejeitado por unanimidade, pela segunda vez, um projeto que elabora, tem e ter consciência da sua incompetência – e isto na versão mais benévola. A menos que o propósito da maioria PSD-CDS não fosse na realidade combater o enriquecimento injustificado, mas tão-só fingir que o pretende combater”, reagiu o deputado do PS Filipe Neto, em declarações citadas pela agência Lusa.


Pedro A. Pina - RTP

“Portanto, entre o retrato de incompetente ou demagogo, o retrato dos fautores desta lei duplamente reprovada resulta claramente negativo”, acrescentou.
“Uma manobra”
Pelo PCP, o deputado António Filipe afirmou que a direção do acórdão do Tribunal Constitucional, redigido pela juíza Maria Lúcia Amaral, “era mais do que previsível”.

“Quando do debate sobre o texto, que foi aprovado exclusivamente pelos votos do PSD e CDS, foi denunciado que a solução aprovada era claramente inconstitucional. Não só não resolvia nenhum dos problemas que o TC tinha suscitado aquando da anterior declaração, como ainda os agravava”, apontou o parlamentar comunista, também ouvido pela Lusa.

Na mesma linha do deputado socialista da Comissão de Assuntos Constitucionais, António Filipe lembrou que PSD e CDS-PP foram previamente alertados para “problemas de inconstitucionalidade” e optaram, mesmo assim, por aprovar o texto.

A porta-voz do Bloco de Esquerda foi ainda mais taxativa, ao dar por demonstrado que a maioria protagonizou uma mera “manobra”, tendo em vista “não mudar nada”.


Tiago Petinga - Lusa

“Perdeu-se uma legislatura inteira, em que se podia ter combatido a corrupção, em que se podia ter combatido o crime económico a sério, e ele não foi combatido porque a maioria insistiu em formulações que sabia que o TCO não ia deixar passar”, frisou Catarina Martins.
“Continuaremos a trabalhar”
Ainda sem conhecer os detalhes do acórdão, o primeiro-ministro lamentava ontem, em Angra do Heroísmo, a declaração de inconstitucionalidade.

“A única coisa que posso dizer é que tenho pena que não tenha sido possível, das várias vezes que o Parlamento legislou nessa matéria, chegar a uma solução que possa realmente ser uma base efetiva de ter legalmente um instrumento mais forte ao serviço do combate à corrupção”, redarguiu Passos Coelho.


Eduardo Costa - Lusa

Já Teresa Leal Coelho quis garantir que o PSD tratará de submeter à Assembleia da República, no pós-legislativas, um novo projeto no mesmo sentido.

“Independentemente do resultado das eleições – que creio que vamos ganhar -, apresentaremos um novo projeto de lei com vista à criminalização do enriquecimento ilícito”, afiançou a deputada social-democrata à agência Lusa.

“Na próxima legislatura, nós continuaremos a trabalhar porque a criminalização do enriquecimento ilícito é para nós um meio muito necessário na ordem jurídica portuguesa no combate à corrupção”, reforçou.
Os argumentos de Belém
Ao submeter o diploma à fiscalização preventiva, Cavaco Silva pediu a atenção dos juízes conselheiros para a norma do n.º 1 do artigo 1.º, designadamente a passagem que é aditado o artigo 335.º-A ao Código Penal.

“Quem por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, obtiver um acréscimo patrimonial ou fruir continuadamente de um património incompatível com os seus rendimentos e bens declarados ou que devam ser declarados é punido com pena de prisão até três anos”, estipulava o diploma.

A pena poderia ir até cinco anos, caso a diferença excedesse um valor equivalente a 500 salários mínimos.

O Presidente suscitara também a fiscalização da norma do artigo 2.º, na passagem que adita o artigo 27.º-A à Lei n.º 34/87 de 16 de julho.


Nuno Veiga - Lusa

“O titular de cargo político ou de alto cargo público que durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva obtiver um acréscimo patrimonial ou fruir continuadamente de um património incompatível com os seus rendimentos e bens declarados ou a declarar, é punido com pena de prisão de um a cinco anos”, lia-se no diploma da maioria, que previa um agravamento da pena para oito anos, se a discrepância ultrapassasse 350 salários mínimos.

Cavaco quis a verificação da conformidade “com os princípios do Estado de Direito, proporcionalidade, legalidade penal e presunção de inocência”.

A uma semana da votação final global, PSD e CDS-PP substituíram a fórmula enriquecimento ilícito por enriquecimento injustificado. Mas conservaram as molduras penais.
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