Depois da mobilização, milhares de portugueses foram estacionados em Mafra e em Tancos, para receber treino militar. Para o regime republicano esta foi mais uma ocasião de fazer propaganda do esforço de guerra português. A sua imprensa não se eximia de dar uma ajuda preciosa. É o caso da Carta de Tancos que dá origem a este postal.

Ficcionada, ou não, foi publicada como sendo verdadeira no Jornal A Capital. É um autêntico elogio aos novos soldados e cobre de um manto fantasioso todas as dificuldades encontradas pelos homens e pelo comando do exército.



Eis o texto da carta, replicado do artigo original:

" Meu Querido J.

Veiu afinal, hontem a tua carta. Bravo! Conto-a como uma victoria. 

E agora agradeço-te do coração.

Não extranhes responder-te agora d'esta fórma summaria, a lapis de tinta e sobre o joelho.

Estamos em serviço de campanha, e das 6 ás 17 horas cobre-nos o ceu e o sol, vagabundeámos em exercicios pelos arredores do campo.

  

Dit-te-hei – já o calculas – que a minha saude é esplendida. E que esta vida, apezar de faltar muito para a realízação integral do nosso religioso e luzitano desejo é, - atrevo-me a esperal-o, - um modo de passagem para uma altura melhor, e mais bello campo de actividade.

Enrijo os meus musculos e a minha esperança. E não encontrei, para lá deficiencias secundarias, cuja culpa reverte, em extrema analyse, para os que, são consciente ou inconscientemente, imprevidentes ou ineptos á sombra de certas falta e exaggerando-as, não encontrei coisa que me dominasse alterando o pleno vôo do meu exaltado desejo. 

Aqui encontramos, sob o ponto de vista material, installações que satisfazem os mais exigentes, organisado tudo com previdencia e cuidado, um generoso cuidado que os homens são até os primeiros a reconhecer.

  

 

A alimentação é optima. Generos bons e abundantissimos distribuidos sem descuidos ou faltas…

  

Quanto ao moral só posso, em boa razão, falar da minha gente. Quantas vezes recordo palavras do Proença sobre aquela rude Elite de mãos suadas que é a nobreza pura de Portugal!

Estes homens sabem falar na sua terra, ouço-lhes a palavra Patria muitas vezes, e aquella outra que é o passado todo – os antigos…

  

E não há n'elles o enthusiasmo falso e gritante dos não convencidos. Elles sabem que a guerra é uma coisa dolorosa. E oiço-os dizer:

- Se formos para a França, se nos mandarem alguma coisa, faremos como os antigos.

- Um homem é um homem, com um raio, fraca figura não a fará ninguém!

E se alguem aventa uma palavra menos decidida:

- Olhe que sêmos portuguezes.

- Morra um homem mas fique a fama!

Sobre os allamães ha uma opinião geral e uma decisão unânime: É preciso dar cabo do kaiser!…

Officiais e soldados, mesmo os que discutiam antes ou iam na rêde má de tanta propaganda infecciosa, quantos são homens perigam a mesma coisa:

- Quando a hora chegar ha de achar-nos promptos.

Somos soldados. Politica, sizania, divisorias, interpretações diversas, fundiu-se tudo e agora em todos e cada um ha só o amor proprio vigilante, um dever a cumprir.

  

  A attitude só póde ser esta, cada vez mais nitida e mais consciente, cada vez mais alumiada dentro de cada espirito, o firme e inalteravel dentro de cada peito.

A disciplina das tropas é melhor que nos regimentos, creio. Muito melhor.

Os mais scepticos entre os officiaes, começam a affirmar crença e optimismo. E os elementos de valor e os valorisaveis, vão sendo todos ,  pouco a pouco, comnosco e da nossa opinião.

Tivemos sempre homens admiraveis, officiaes e soldados. O ar que elles respiravam, as suggestões que elles soffreram, é que foram muitas vezes metificas e más. 

  

Tancos é batidissimo pelos ventos, ventos de largo, e d’um momento para o outro podemos largar para melhores e mais asperas manobras. Esta certeza dá, sem os individuos o notarem, uma certa nobre gravidade ás almas.

Sabes, em conclusão, como sou optimista mas facilmente varado de desfallecimento.

Tudo corre á altura do meu desejo melhor e mais erguido. Dil-o e acredita… "

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