O MEU TIO DA AMÉRICA

A ilustração ficcional das teses do biólogo Henri Laborit sobre o comportamento humano num filme espantoso de mestre Resnais

Jean Le Gall nasceu numa ilha da Bretanha e é oriundo de um pequeno Mundo perdido: a burguesia provinciana entre guerras. Para se transformar em "alguém" na política ou na literatura, ou nas duas ao mesmo tempo, vai para Paris. René Ragueneau, filho de uma família de pequenos agricultores, para chegar a ser "alguém" não tem outra alternativa senão abandonar a exploração agrícola familiar e procurar trabalho na vila mais próxima, onde se vai envolver noutro sector em crise, a indústria têxtil. Janine Garnier, filha de um operário metalúrgico e membro do Partido Comunista, nasceu em Paris e para tentar ser "alguém" abandona a casa dos pais para iniciar uma carreira no teatro como actriz. Um dia conhece Jean e torna-se sua amante. René por seu lado é obrigado a ir trabalhar para uma fábrica em Chôlet, onde conhece Janine que entretanto se tornou estilista de moda e deixou Jean. Mas as relações entre René e Janine não são pacíficas e acabam por se separar. Mais tarde Janine e Jean reconciliam-se.

Alain Resnais lançou-se com "O Meu Tio da América" num dos projectos mais ousados da sua carreira: criar uma ilustração ficcional das teses do biólogo Henri Laborit sobre o comportamento humano. Laborit, uma das personagens centrais deste invulgar e fascinante filme, dedicava-se à pesquisa laboratorial, interessando-se particularmente pela reacção orgânica à agressão, e Resnais decidiu construir uma narrativa paralela em que o discurso científico de um biólogo, que tem uma particular experiência do comportamento humano, se desenrola ao mesmo tempo que as trajectórias cruzadas de três personagens vulgares de modo a estabelecer uma interacão entre elas. A ficção assenta na trajectória de três personagens centrais, dois homens e uma mulher, que pertencem a três gerações distintas e meios sócio-culturais distintos, nascidas em três regiões distantes entre si pela geografia, pela mentalidade e pelo desenvolvimento económico. A história destes dois homens e desta mulher não se limita a ilustrar as teses do biólogo, tal como ele não se contenta em comentar a ficção. Por vezes as suas rotas cruzam-se, outras distanciam-se, mas este jogo de encontros entre a Ciência e o Drama situa-se muito mais no domínio da associação de ideias, visuais ou afectivas, que no da lógica. "O Meu Tio da América" é pois uma obra de grande complexidade mas ao mesmo tempo de espantosa inteligibilidade, onde o desenvolvimento de uma intriga romanesca e o discurso científico coexistem paralelamente através de um desenvolvimento narrativo que é um achado de mise en scène e de puro génio cinematográfico.