Osvaldo Cabral

A ilha das assimetrias e da pobreza



O estudo do INE sobre as condições de vida e rendimento das famílias veio confirmar, pelo segundo ano consecutivo, que temos as taxas de pobreza mais altas do país, piorando de ano para ano.
É legítimo perguntar como e onde estão a ser aplicados os mais de 6 mil milhões de euros de transferências comunitárias e do Estado português e porque razão as desigualdades são cada vez maiores.
Alguma coisa está a ser feita erradamente e o que é mais grave é que não se vislumbra muita vontade em corrigir ou alterar esta corrente.
A lista que publicamos aqui é bem eloquente das disparidades que varrem a nossa região, com especial enfoque na ilha com maior densidade populacional.
Trata-se da lista sobre o Índice de Poder de Compra Per Capita, cuja cauda é reveladora das enormes desigualdades de rendimentos entre concelhos tão próximos uns dos outros.
Estes valores comprovam duas características da ilha de S. Miguel: é uma ilha com enormes disparidades entre concelhos e é a ilha com mais concelhos mais pobres.
O índice de Ponta Delgada, o mais elevado da região, mesmo acima da média nacional, contrasta com os índices muito baixos dos restantes concelhos.
Apenas Santa Cruz da Graciosa (73,13) e Lajes do Pico (70,03) se “intrometem” para impedir que S. Miguel concentre a totalidade dos cinco concelhos mais pobres dos Açores, com destaque para os índices da Povoação (66,28), Vila Franca do Campo (65,06) e Nordeste (62,47), valores bastante abaixo da média regional.
Só o elevado índice de Ponta Delgada é que compõe a média de S. Miguel.
À parte Ponta Delgada, os concelhos com maior poder de compra são Angra do Heroísmo, Horta, Vila do Porto, Madalena e Santa Cruz das Flores.
A presença de aeroportos parece ser factor importante, assim como de serviços públicos.
Certo é que S. Miguel acaba por ser a ilha das assimetrias e que as SCUT pouco ou nada contribuíram para atenuar a situação dos concelhos, para além de Ponta Delgada.
Há ilhas no programa de coesão que parece terem avançado mais rápido do que Nordeste.
Isto parece fazer de S. Miguel a ilha mal amada e desprezada nas políticas públicas de desenvolvimento nas últimas décadas.
É verdade que houve muito investimento (não reprodutivo) em S. Miguel (e as outras ilhas têm razão em protestar por uma grande disparidade), mas o problema é que o resultado desse investimento não provocou menos assimetrias sociais.
Pelo contrário, os números são a prova disso, demonstrando que temos um problema muito grande em termos de desigualdade na distribuição de rendimentos, sabendo-se que, a seguir a Lisboa, somos mesmo a região com o maior índice de desigualdade.
No referido estudo é possível constatar que, de acordo com o coeficiente de Gini, os Açores são a região do país com maior assimetria na distribuição dos rendimentos, atingindo o valor astronómico de 37,6%.
Só há dois países na União Europeia com valores semelhantes: a Lituânia (36,9%) e a Bulgária (39,6%), o que diz bem do nível de desigualdade a que já chegamos.
O espelho desta assimetria está, também, bem marcado no Rendimento Social de Inserção, onde temos quase 7% da população como beneficiários, quando a média nacional é de 3%.
Há que aprofundar mais as causas dessa desgraça, não se percebendo, por exemplo, como é que Nordeste e Vila Franca possuem os piores índices de poder de compra, mas a maioria dos beneficiários de RSI estão na Ribeira Grande e Lagoa.
O Plano e Orçamentos para o próximo ano, agora aprovados no parlamento regional, não trazem absolutamente nada de inovador na área do combate às desigualdades, onde deviam constar apostas fortes na Educação e Formação das pessoas e outras políticas que reproduzem empregos e riqueza.
Vamos continuar na cepa torta por muitos anos, criando na região a maior concentração de funcionários públicos de que há memória (já são 18.638 na administração regional, mais 632 só no último ano e mais outra catrefada que se anuncia para os próximos meses, certamente para baixar a taxa de desemprego e fazer um brilharete lá para Outubro, mês das eleições).
As administrações públicas nacionais reduziram a engorda em 5,2%. Nós, cá nos Açores, aumentamos 5,1%.
São mais 1000 funcionários públicos desde 2016, qualquer coisa como mais de 300 por ano.
E como são distribuídos? Só para a Vice-Presidência foram mais 93, mais 400 para as empresas públicas do perímetro (não inclui a SATA), mais 159 para as Florestas, 66 para a Educação e 161 para a Saúde.
Estamos a ir por um belo caminho.

 


Dezembro 2019
Osvaldo Cabral