Não é novidade para ninguém que a ilha Terceira concentra um índice significativo de homossexualidade - o que se verifica sem auxílio estatístico ou estudos que, nesta matéria, são inexistentes.
É facto histórico que todas as comunidades, em maior ou menor grau, de forma oculta ou às claras, conhecem este comportamento sexual e, perante ele, assumem, de acordo com a conjuntura social, uma de duas atitudes: a repressão ou a tolerância.
Em Portugal, a moral prevalecente tende a manter na marginalidade, ou nos seus limites, as minorias sexuais. Apesar de alguns avanços legislativos e de mentalidades verificados nos últimos tempos em matéria de orientação sexual, a homofobia continua a existir entre nós.
Na ilha Terceira, a homossexualidade estende-se aos vários grupos sociais, sendo sobretudo visível no elemento masculino. O lesbianismo terá, aparentemente, menor expressão nesta ilha.
Se os "maricas" ou "paneleiros" têm problemas de integração social pelos fenómenos de marginalidade que engendram um pouco por toda a parte, na Terceira pode afirmar-se que o problema assume proporções diminutas. Porquê? Porque, por um lado, homossexuais de outras ilhas açorianas escolheram a Terceira como sua casa, ou "quartel-general", ali se fixando e desenvolvendo as mais diversas actividades profissionais. Por outro, encontraram, naquela ilha, o melhor acolhimento social e ali se sentem perfeitamente integrados.
Do que acima ficou exposto, não se deduza que a ilha Terceira é um paraíso de invertidos. Obviamente que não. Apesar da percentagem estar certamente acima da média, não nos esqueçamos que estamos perante uma situação que se mantém no terreno da minoria.
José Rodrigues Ormonde, 70 anos de idade, carinhosamente conhecido por "Greta".
Foto gentilmente cedida e autorizada pelo mesmo.
Aquele autor chama a atenção para o facto de o povoamento dos Açores se ter efectuado em pleno alvorecer do Renascimento, num período histórico em que o amor nefando teve extraordinário desenvolvimento e assumiu carácter legal, de compatibilidade com o amor heterodoxo. É a época, segundo Maquiavel, em que um mesmo homem quando adolescente roubava as mulheres aos seus maridos e, quando adulto, os maridos às suas mulheres...
Um outro factor de peso prende-se com a invasão castelhana. Com efeito, para aquele ensaísta, há motivos seguros para crer que "os conquistadores de Espanha terão semeado, ou pelo menos adubado fortemente o terreno"; que, depois da resistência que o povo terceirense impôs ao invasor, os anos de ocupação seguintes obrigaram a população ao convívio com os soldados felipinos, nas condições concretas duma ilha, para mais no século XVI, e com o cortejo de promiscuidade que sempre e em todas as circunstâncias um exército de ocupação é portador.
Perguntar-se-á: porquê numa só ilha e não nas nove a predisposição para a homossexualidade? Porquê - para os terceirenses - até nas manifestações do regionalismo mais pitoresco, as referências aí vão dar, seja o caso de serem apelidados de "rabo-tortos", sobretudo pelos micaelenses? Foram também os terceirenses que a partir da inversão do instinto sexual criaram uma palavra nova: "naião", que, segundo Pedro da Silveira, "tem origem de Naia, nome de família dum tropa das bandas do Porto, maricas de dar o rabo, que à ilha Terceira foi ter integrado nas expedições liberais" (1) e que se dedicava intensamente à prática homossexual.
Sabemos, hoje, que a corte castelhana a partir do século XIV foi um verdadeiro viveiro de sodomia, "costumes corrompidos" e "deleites da vida depravada", por certo pela influência exercida pelos mouros tradicionalmente inclinados ao desfruto de relações homossexuais e que ali prestavam diversos serviços. É muito plausível que, à data de anexação de Portugal à coroa de Castela, e nomeadamente durante a conquista e ocupação da ilha Terceira, persistissem tais hábitos.
Todavia, sabendo-se como as instituições da monarquia tinham reflexos profundos nos súbditos, é de admitir que a vida sexual da corte influenciasse sobretudos os que lhe eram mais próximos - que seriam os homens do exército, estreitamente ligados ao poder central, assim como a instituição religiosa dependente que estavam os bispados do sancionamento do rei. A este respeito, refira-se que D. João IV, em 24 de Janeiro de 1649, enviou uma carta ao Cabido da Dioceses de Angra onde dizia que havia sido informado "do excesso e pouco temor a Deus, com que vão cometendo pecados públicos, nestas ilhas, que se poderia neles recear viesse sobre os seus moradores um grande castigo do céu. E, o que há mais para estranhar, o mau exemplo em que os eclesiásticos vivem, porque, deixando de dallo aos seculares, há neles mais vícios que reprehender. Pello que vos encomendo e mando que para remediar o danno e cessar de todo o escândalo que de contrário se seguirá, se nas vidas e costumes não ouvesse emenda, façais as delligências necessárias; e do que dellas resultar me dareis conta, pela Secretaria do Expediente, porque o quero entendido". (2)
Eis aqui um bom testemunho sobre o estado em que se encontrava a sociedade açoriana após a presença castelhana, particularmente a classe clerical. Uma investigação mais detalhada, que não se afigura difícil, permitirá passar dos domínios das hipóteses para o das certezas.
(1) Pedro da Silveira, Prefácio de Antologia de Poesia Açoriana do século XVIII a 1975, Sá da Costa Editora, 1977.
(2) Arquivo do Cabido, carteira do século XVII, sob o nº 37, citado pelo Cónego Pereira, A diocese de Angra na História dos seus Prelados (Livraria Editora Andrade, Angra do Heroísmo, 1950).