Um retrato cinematográfico de Van Gogh, desenhado a partir das suas próprias pinturas


joao lopes
19 Out 2017 0:42

E se os desenhos animados não tiverem de ser executados com as novas técnicas digitais? Mais do que isso: e se os desenhos animados puderem até prescindir das mais tradicionais aguarelas?

O desafio de "A Paixão de Van Gogh" começa, justamente, na exploração dos terrenos alternativos que tais perguntas pressupõem. Nas notas oficiais da respectiva produção diz-se mesmo que estamos perante a primeira longa-metragem de animação totalmente executada através de pinturas.

Que se passa, então? Pois bem, a dupla de realizadores — Dorota Kobiela, polaca, e Hugh Welchman, inglês — dirigiu uma equipa de mais de uma centena de animadores a que, em boa verdade, podemos chamar pintores. O desafio consistiu em fazer um retrato de Vincent van Gogh (1853-1890) a partir de pinturas a óleo tratadas com "frames" de uma animação tradicional. Mais do que isso: aplicando a primitiva técnica da rotoscopia para registar previamente a performance dos actores e, a partir das imagens obtidas, conceber a sua identidade desenhada
Proeza tecnicista? Delírio formalista? Nada disso. Kobiela e Welchman não estão, de modo algum, à procura de uma banal ostentação dos seus recuros. "A Paixão de Van Gogh" é mesmo um filme que coloca na sua linha de prioridades o levantamento de uma discussão sobre as condições em que terá ocorrido o suicídio do pintor: Van Gogh disparou um revólver contra si próprio, a 27 de Julho de 1890, vindo a falecer dois dias mais tarde, contava 37 anos — será que as condições em que aconteceu a sua agonia estão suficientemente esclarecidas?
Digamos que o filme deixa dúvidas em aberto, de algum modo ampliando a perturbação emocional que atravessa as telas do pintor. Não é um relato biográfico, em sentido estrito, antes a metódica construção de um universal visual directamente inspirado nos quadros de Van Gogh. Daí a singular energia que se desprende de "A Paixão de Van Gogh" — tudo acontece como se o cinema tivesse penetrado nos próprios quadros, habitando o mundo assombrado do pintor. O resultado é uma viagem dramaticamente invulgar, cinematograficamente inovadora.

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