Julianne Moore e Matt Damon — uma história de fantasmas e preconceitos


joao lopes
28 Dez 2017 13:59

Foi preciso esperar mais de trinta anos… mas valeu a pena. O argumento de "Suburbicon" foi escrito pelos irmãos Coen em meados dos anos 80, esteve para ser a sua segunda longa-metragem, logo após "Blood Simple/Sangue por Sangue" (1984). O certo é que foi ficando na gaveta e só agora se transformou em filme, dirigido por George Clooney, actor cúmplice de algumas aventuras dos Coen, incluindo "Irmão, Onde Estás?" (2000).

O menos que se pode dizer é que Clooney se confirma como um realizador de fascinantes nuances temáticas e estilísticas, ele que assinou, por exemplo, o notável "Boa Noite, e Boa Sorte" (2005), sobre os bastidores do jornalismo televisivo durante o período "maccartista". Além do mais, "Suburbicon" é também uma história em que o "Sonho Americano" se dilui em paisagens de puro pesadelo.
Tudo acontece a partir do dia a dia paradisíaco do casal interpretado por Matt Damon e Julianne Moore — ambos excelentes, num registo de calculada confluência de comédia e tragédia. Símbolos exemplares de uma ideia de bem-estar associada ao "boom" da década de 1950 (e, em particular, aos típicos bairros de vivendas dos subúrbios das grandes cidades), eles vão viver as convulsões próprias de uma harmonia edificada sobre muitos fantasmas e ainda mais preconceitos — o motor da história é mesmo o facto de os seus novos vizinhos não terem a pele branca…
Nitidamente inspirado pela crueldade estética dos Coen, Clooney filma tudo isso com a precisão obsessiva de um realista que, afinal, sabe integrar o delírio factual e simbólico que a própria narrativa contém. Não por acaso, "Suburbicon" tem sido também apontado como um objecto sintomático da era Trump — é certo que a sua escrita vem dos anos 80, pelo que convém evitar associações simplistas; mas não é menos certo que o poder de uma história se mede também pela sua subtil capacidade de ressonância no presente.

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