Taika Waititi e Roman Griffin Davis: a infância como caução para a


joao lopes
29 Jan 2020 23:45

Em 1997, com "A Vida É Bela", Roberto Benigni estabeleceu um padrão de abordagem dos crimes nazis que, há que reconhecê-lo, continua a sensibilizar enormes franjas do pensamento social. Consiste o respectivo método em esvaziar a história em nome da infância. Mais especificamente: coloca-se em cena uma criança e, exponenciando a sua ignorância dos factos, exalta-se a "inocência" fundadora da infância contra a "maldade" militante dos adultos.

"Jojo Rabbit", de Taika Waititi, é um descendente directo de "A Vida É Bela", desenvolvendo-se a partir de um quadro dramático marcado pelo mesmo maniqueísmo. Assim, temos Jojo (Roman Griffin Davis), membro da Juventude Hitleriana, que descobre que a sua mãe (Scarlett Johansson) protege uma jovem judia (Thomasin McKenzie), escondendo-a na sua própria casa; ao mesmo tempo, Jojo tenta seguir o modelo de Adold Hitler, figura caricatural que lhe aparece em cenas imaginárias (sendo interpretado pelo próprio realizador)…

A futilidade de tudo isto não nos remete, necessariamente, para a própria visão histórica e ideológica de Waititi — seja ela qual for… Acontece que, tal como no medíocre "O que Fazemos nas Sombras" (2014), a sua única ideia de mise en scène consiste em espalhar um misto de indiferença e irrisão sobre qualquer temática ou referência — nesse caso, eram os filmes de vampiros, agora é a Alemanha nazi.
No limite, qualquer abordagem unilateral de "Jojo Rabbit" (incluindo este texto) parece-me não esgotar as questões ideológicas e figurativas colocadas, ainda que involuntariamente, pelo filme de Waititi. Estamos, de facto, perante um sintoma de um princípio de banalização do mundo (e da sua história), hoje em dia transversal no espaço da chamada comunicação.
Vivemos um tempo em que quase tudo que se apresente como "ligeiro", "anedótico" ou assumidamente pueril tende a ser celebrado como "refrescante" e "libertador". Esta é uma idade do pitoresco que leva a que muitas abordagens graves e contundentes de temas humanos e problemáticas humanistas (exemplo próximo: "O Caso de Richard Jewell", de Clint Eastwood) sejam sujeitas a incríveis escrutínios "purificadores", enquanto objectos pueris como "Jojo Rabbit" são frequentemente enaltecidos pela sua "mensagem".
Grande comédia sobre o nazismo? Não creio — as linhas anteriores resumem a minha resistência ao labor narrativo de Waititi. Em qualquer caso, porque cada espectador pode — e deve — exercer a sua faculdade de pensar, permito-me lembrar a possibilidade de (re)descobrir outros filmes que lidaram com o universo nazi, a meu ver com incomparável lucidez intelectual e espírito criativo. Por exemplo:
— "O Grande Ditador" (1940), de Charles Chaplin
— "Ser ou Não Ser" (1942), de Ernst Lubitsch
— "Onde Fica a Guerra" (1970), de Jerry Lewis
Seja qual for a leitura que cada um possa fazer de tais filmes, as suas diferenças em relação a "Jojo Rabbit" serão sempre evidentes — diferenças de tom, narrativa e visão do mundo.

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