Tizita Hagere e Meron Getnet em


joao lopes
12 Mar 2016 1:57

Há filmes cujo valor cinematográfico é indissociável de um inequívoco e irrecusável testemunho moral.

É o caso de "Difret", uma história da Etiópia centrada numa "tradição" antiga: o rapto de uma mulher-criança — a personagem central, Hirut Assefa, interpretada por Tizita Hagere, tem 14 anos — pelo homem que, mais tarde, a tomará como esposa…
Mais concretamente, esta é uma versão dramatizada de um caso que criou um importante precedente moral e jurídico, já que depois do seu julgamento a lei passou a proibir tal prática [video: trailer].




Realizado por Zeresenay Berhane Mehari, o filme tem como virtude principal o sentido didáctico da sua exposição. Assim, não se trata tanto de construir uma "tese" mais ou menos abstracta, mas sim de seguir a saga de Hirut, desmontando as tensões e contradições que a pontuam. Nesta perspectiva, é fundamental a personagem Meaza Ashenafi (Meron Getnet), advogada, militante dos direitos humanos, que defende Hirut em tribunal.

Encontramos, assim, uma pulsão realista que não é estranha a uma lógica de retorno ao real que, nos mais diversos contextos, tem tentado contrariar as visões mais ou menos voluntaristas, tantas vezes favorecidas por clichés dramáticos enraizados no espaço televisivo — "Difret" é um filme que confere renovado valor ao espírito social do cinema, dimensão que levou Angelina Jolie [video: depoimento] a apoiar a sua produção (surge, aliás, no genérico com o estatuto de produtora executiva).



Distinguido, em 2014, com os prémios do público nos festivais de Sundance e Berlim (secção: "Panorama"), "Difret" é um objecto frágil, comercialmente desamparado, que, em todo o caso, consegue chegar agora às salas portuguesas. Mais do que nunca, a sua estreia pode e deve ser celebrada como modelo de uma diversificação que enriquece e valoriza o próprio mercado.

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