Viola Davis e Liam Neeson — assim começa a história de


joao lopes
16 Nov 2018 23:34

O inglês Steve McQueen (n. 1969) tinha realizado, até agora, um filme sobre um prisioneiro em greve da fome ("Fome", 2008), outro sobre um viciado em sexo ("Vergonha", 2011), outro ainda sobre a escravatura ("12 Anos Escravo", 2013) — todos eles escapando às leis dos géneros, temáticos ou dramáticos, em que pareciam inscrever-se.

Não admira que "Viúvas" , desde já um dos filmes maiores de 2018, seja um "thriller" que, embora aceitando a lógica do género, não encaixa nas normas correntes desse tipo de narrativas.

Todas as notícias sobre o filme citam o mesmo motor dramático: um grupo de homens morre num assalto, deixando uma herança (de dívidas e não só…) que vai ser assumida pelas respectivas viúvas, agora "duplicando" a quadrilha dos maridos. Dir-se-ia que está garantida a regra comum do "thriller": uma acção gera outra acção, de alguma maneira multiplicando as tensões da primeira…
Ora, acontece que McQueen está longe de ser um mero funcionário de modelos formatados. Se algum desvio pode servir de símbolo do seu labor narrativo, o plano de abertura do filme, com Viola Davis e Liam Neeson, aí está na sua depurada beleza: negro/branco, homem/mulher, boca/boca, tudo faz contraste, tudo se liga, tudo se contamina.
"Viúvas" é um filme sobre um mundo em que o real se tece através desses contactos e ressonâncias em que nenhuma dinâmica individual/colectivo, nenhuma noção de pertença parece garantir o que quer que seja. Dito de outro modo: este é um filme sobre o modo como o real se estilhaça (por vezes, em explosões muito físicas…), colocando no mesmo plano os enigmas da intimidade e os golpes da cena política, o poder do dinheiro e a irrisão da riqueza.
No limite, tal como em "Fome", "Vergonha" e "12 Anos Escravo", trata-se de saber como é possível estabelecer uma relação humana — se é que é possível…
Os actores — incluindo ainda Michelle Rodriguez, Elizabeth Debicki, Colin Farrell ou Robert Duvall — são essenciais nessa dinâmica, de uma só vez corporal e mental, biológica e moral, em que sentimos que cada um anda apenas a tentar resgatar a sua primordial solidão. Aqui, o realismo é uma arte filosófica.

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