Bacall e o marido — memórias da idade de ouro de Hollywood

13 Ago 2014 3:37

Perante a notícia da morte de Lauren Bacall, aos 89 anos (completaria 90 a 16 de Setembro), é talvez inevitável lembrar que muito da sua história — e também da sua mitologia — é indissociável da figura de Humphrey Bogart (1899-1957), seu marido e companheiro de filmes tão lendários como "Ter ou Não Ter" (1944) e "À Beira do Abismo" (1946), ambos de Howard Hawks. É, aliás, ao primeiro (aquele em que Bacall se estreou) que pertence o lendário diálogo em que ela inicia Bogart na arte do assobio…

 

Bogart/Bacall definiram, afinal, um modelo de par ideal(izado) que, na simbologia de Hollywood, ecoou muito para além das componentes da sua vida privada. Num certo sentido, eles representaram uma espécie de contraponto a todos os romantismos da época. Através dos dois títulos citados, aos quais importa acrescentar "O Prisioneiro do Passado" (1947), de Delmer Daves, e "Paixões em Fúria" (1948), de John Huston, Bogart e Bacall relativizaram os próprios clichés do masculino/feminino, criando uma química em que havia neles algo de intermutável.

Talvez por isso, perversamente, Bacall transformou-se numa referência mitológica de Hollywood sem nunca, em boa verdade, adquirir a dimensão das estrelas da sua própria geração — a começar, claro, por Marilyn Monroe (1926-1962). Até mesmo nos Oscars, apenas conseguiu uma nomeação em 1997, com "As Duas faces do Espelho", de Barbra Streisand, vindo apenas a receber uma estatueta dourada (honorária), a 14 de Novembro de 2009, tendo sido apresentada por Anjelica Huston.

Seja como for, importa lembrar que a sua trajectória artística nunca foi de acomodação a uma determinada "imagem", tendo trabalhado, ao longo de uma carreira de seis décadas com realizadores como Jean Negulesco ("Como se Conquista um Milionário", 1953), Douglas Sirk ("Escrito no Vento", 1956), Vincente Minnelli ("A Mulher Modelo", 1957), Jack Smight ("Harper, Detective Privado", 1966), Sidney Lumet ("Um Crime no Expresso do Oriente", 1974) ou Don Siegel ("O Atirador", 1976).

Nos últimos anos da sua carreira, descobrimo-la, por vezes, em alguns títulos europeus como "Dogville" (2003) e "Manderlay" (2005), ambos de Lars von Trier, ou "Birth – O Mistério" (2004), de Jonathan Glazer. Quer isto dizer que, de facto, o seu nome sempre transcendeu fronteiras — com ela desaparece, afinal, uma senhora que associávamos, não apenas à sedução de Hollywood, mas à própria ideia universal de Cinema.
  • cinemaxeditor
  • 13 Ago 2014 3:37

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