Bigas Luna, o cineasta hedonista

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Bigas Luna, o cineasta hedonista

O realizador Josep Joan Bigas Luna, autor marcante do cinema espanhol, morreu em Terragona, com 67 anos, vítima de cancro. Deixa um último filme inacabado.

O catalão Bigas Luna será sempre recordado pelos seus filmes sobre a inadequação emocional e sexual num contexto de repressão social.

Fotógrafo profissional, Bigas Luna entrou no mundo do cinema através da publicidade, do desenho e das artes plásticas e realizou, entre 1974 e 1977, várias curtas-metragens e documentários.

Começou a filmar - e a incomodar... - no estertor da ditadura fraquista. Ele lembrava, numa entrevista ao La Vanguardia, publicada e
m 1996, o facto de ter sido alvo dos censores no seu primeiro filme, adaptado de um livro de Vázquez Montalbán. "Desde que o franquismo me fez cortar três cenas de 'Tatuagem' que não voltei a autocensurar-me. E cortar, só corto o chouriço da minha terra."

A sua reação a esse contexto repressivo exprimiu-se logo na sua segunda longa-metragem, "Bilbao - A História de Um Fascínio" (1978), exibida no festival de Cannes, onde filmou a história de um marido que rapta uma prostituta para saciar os seus desejos sexuais.

O impulso libertário foi levado ao extremo em "As Idades de Lulú" (1990), um drama sobre o despertar da sexualidade. O filme inclui uma orgia sado-masoquista que foi censurada pelo Conselho Britânico de classificação de filmes.

O seu hedonismo reflete-se de forma positiva na chamada trilogia ibérica  formada por
"Jamón, Jamón - Desejos Inconscientes" (1992), "Huevos de Oro" (1993) e "A Teta e a Lua" (1994), com o qual receberia o prémio de melhor argumento no festival de Veneza.

Nascido em Barcelona, a 10 de Março de 1946, Bigas Luna dirigiu cerca de 20 filmes, pelos quais foi várias vezes premiado. O Leão de Prata atribuído em Veneza a "Jamón, Jamón - Desejos Inconscientes" (1992) foi o mais importante; em Portugal, o Fantasporto reconheceu o seu valor desde cedo e a comédia "Caniche", o terceiro filme do realizador, recebeu o prémio da crítica.

Na década de 1980 B
igas Luna fez duas produções de língua inglesa destinadas ao mercado internacional. "Reborn" (1981), um drama sobre um fenómeno religioso, protagonizado por Dennis Hopper, e "Angústia" (1987), um subestimado filme-de-terror-dentro-de-um-filme.

Filme de Bigas Luna revelou Javier Bardem e Penélope Cruz

Em "Jamón, Jamón - Desejos Inconscientes", o cineasta revelou Penélope Cruz e Javier Bardem. As duas estrelas internacionais do cinema espanhol já fizeram questão de o recordar.

"Jamón, Jamón" mudou a minha vida", afirmou Penélope Cruz, numa declaração por escrito onde elogiou o realizador. "Bigas [Luna] foi uma das mais sábias pessoas que conheci, vivendo o presente e apreciando as pequenas coisas da vida."

Javier Bardem acompanhou-a neste elogio.
"Eu devo a Bigas a mulher que eu amo, duas almas gémeas e uma carreira que eu nunca sonhei ter." "Quando confrontado com qualquer conflito, em vez de drama e angústia, ele preferiu um sorriso, amor e uma boa fatia de presunto."


A recordação é justa. Além de cineasta, Bigas Luna era um gourmet, produtor de vinhos e de presuntos de porco ibérico que ele criava numa quinta com carvalhos na Estremadura.

Retirou-se na sua propriedade rural quando abandonou a realização, durante alguns anos, na sequência da morte do produtor Pepón Coromina. Luna deixa um filme inacabado no qual trabalhou até à semana passada.

Trata-se de "El Mecanuscrit del Segon Origen", livro de Manuel de Pedrolo, no qual se baseou para criar uma obra dedicada ao seu único neto. O seu último desejo foi a finalização deste filme.

 

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publicado 02:09 - 07 abril '13

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