29 Mai 2017 0:53
O festival de Cannes assinalou 70 anos com uma seleção oficial pouco entusiasmante mas que, apesar de tudo, permitiu descobrir alguns títulos que refletem a pluralidade temática e estética do cinema contemporâneo.

A lista que aqui apresentamos não corresponde aos melhores filmes vistos durante o Festival, antes reflete as propostas mais surpreendentes da programação do Festival e que valerá a pena descobrir nas salas de cinema, quando estrearem ou forem exibidos em festivais portugueses.

Dois dos títulos propostos ("Okja" e "Twin Peaks"), seja qual for o juízo de valor que suscitarem, surgem aqui por refletirem a importânica da produção ligada ao espaço televisivo ou às plataformas de streaming.

24 FRAMES, de Abbas Kiarostami
selecção oficial, sessões especiais


Seduzido pela pura contemplação da natureza, mas também pela manipulação digital das imagens, Abbas Kiarostami (1940-2016) deixou um legado de 24 pequenos filmes de cerca de 5 minutos — esta antologia condensa, afinal, a herança estética de uma personalidade fulcral do cinema do Irão e, mais do que isso, de todo o cinema contemporâneo. 

A GENTLE CREATURE, de Sergei Loznitsa
selecção oficial, competição


O realizador Serguei Loznitsa tira um retrato da Rússia mergulada numa teia de corrupção e decadência desde os Czars até à
atualidade. O filme acompanha os esforços de uma mulher para entregar roupa e
alimentos ao marido que está a cumprir pena de prisão na Sibéria. Uma viagem que se transforma literalmente num pesadelo, povoado de
obstáculos e humilhações por parte dos poderes instalados, que continuam
a manifestar uma posição abusiva perante um povo adormecido e
impotente.

IN THE FADE, de Fatih Akin
Seleção oficial, competição

A temática atual do terrorismo é abordada por Fatih
Akin num drama político, policial e jurídico. O filme aborda o drama e o luto das vítimas, desenvolvendo uma história
com desfecho arriscado que sustenta o ciclo de ódio que
dificilmente pode ser fechado numa conjuntura como aquela em que
vivemos. "In The Fade" foi uma das obras controversas deste Festival de Cannes e
tem uma atualidade gritante.

LOVELESS, de Andrey Zvyagintsev
selecção oficial, competição

A Rússia, mais do que o cinema russo, foi tema transversal de diversos filmes, em várias secções do festival. No caso de Zvyagintsev, um drama familiar (o desaparecimento do filho de um casal em processo de divórcio) adquire os contornos perturbantes de uma desencantada crítica social.

OKJA, de Bong Joon-ho
selecção oficial, competição

A parábola de um mundo mais ou menos futurista, em que o consumo de carne começa na manipulação genética de animais, foi um factor de divisão entre os jornalistas. Mas todos reconheceram a sua importância simbólica: produzido pela Netflix, deixou no ar a hipótese perturbante de que pode haver cada vez mais filmes a não passar nas salas escuras. 

TWIN PEAKS, de David Lynch
selecção oficial, sessões especiais

Um acontecimento televisivo que, afinal, possui as suas raízes mais fundas na matéria cinematográfica: David Lynch esteve em Cannes para apresentar a muito aguardada continuação da série que revolucionou conceitos e modos de produção de todo o espaço audiovisual.

VISAGES VILLAGES, de Agnès Varda & JR
selecção oficial, extra-competição

"Visage, Villages" junta dois artistas de gerações
diferentes mas com um olhar documental curioso, humanista e capaz de intervir sobre
a realidade que descobrem. Agnès Varda, documentarista e figura tutelar da nova
vaga do cinema francês, acompanha o fotógrafo francês JR, conhecido pelas suas
intervenções no espaço público onde fixa fotos do tamanho de telas com cidadãos
anónimos. Ambos percorrem lugares da interioridade francesa revelando o seu
trabalho singular e envolvendo pequenas comunidades ou heróis anónimos nesse
processo. Um filme pessoal com uma amplitude tocante imensa.

A FÁBRICA DE NADA, de Pedro Pinho
Quinzena dos Realizadores

O filme português saiu de Cannes com um prémio do júri Fipresci, e a critica internacional rendida. O realizador Pedro Pinho acompanha os trabalhadores de uma fábrica nos
arredores de Lisboa, na iminência de ficarem sem os postos de trabalho. O
resultado é um filme que mistura uma vertente documental com ficção, e
que retrata um contexto social de crise comum a vários países europeus.

THE FLORIDA PROJECT, de Sean Baker
Quinzena dos Realizadores

 


Um motel nas imediações do parque da Disney na Florida, é morada para famílias sem condições de pagar uma casa. É também o cenário para as aventuras de 3 crianças que estão tão perto e
tão longe de uma das imagens de marca do sonho americano. Sean Baker
filma uma América na sombra, sem ambição e sem hipóteses, destinada a
confrontar-se com a luta diária pela sobrevivência. Um drama atual que não cai em banalizações, sustentado pelos desempenhos fora de comum por parte do elenco infantil.

TEHRAN TABOO, de Ali Soozandeh
Semana da Crítica


Os diversos tabus sexuais da República
Islâmica do Irão são desvendados no primeiro filme do iraniano Ali Soozandeh. É
uma produção germano-austríaca que através da animação mantém uma
distância interessante para abordar um assunto delicado. Através da rotoscopia,
que permite editar imagens de Teerão com a representação dos atores em estúdio,
é criado um filme visualmente rico que serve uma história cruel, mostrando como
a repressão religiosa sujeita as mulheres a uma vivência dura numa sociedade
machista.

  • João Lopes, Tiago Alves e Lara Marques Pereira
  • 29 Mai 2017 0:53

+ conteúdos