Reposições  

Chaplin, o passado e o presente

Paradoxalmente ou não, um dos filmes essenciais da quadra natalícia comemora este ano um século de existência: "O Garoto de Charlot" é um acontecimento nas salas e no streaming.

Chaplin, o passado e o presente
Jackie Coogan e Charlie Chaplin: memórias melodramáticas de 1921
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Para lá das rotinas do trabalho crítico e dos rituais da memória, através da revisitação do passado e das suas inevitáveis nostalgias, ainda que tentando resistir às suas derivações piedosas ou pitorescas, importa assinalar a evidência do calendário e também um dos pontos altos da agenda cinéfila para a época natalícia. A saber: "The Kid", isto é, "O Garoto de Charlot" tem 100 anos e volta a estar aí, disponível nas salas (a partir do dia 16, também na plataforma Filmin).

Mais do que nunca, nestes tempos de frequente redução mediática da arte cinematográfica a uma acumulação de efeitos (ditos) especiais, importa descer à terra e lembrar o génio de Charlie Chaplin (1889-1977) como um processo de incessante, exigente e obsessivo trabalho.

Nesta perspectiva, em 1921, "The Kid" correspondeu a um momento decisivo de afirmação pessoal, já que encontramos aqui Chaplin na exuberante qualidade de autor total: além de actor/realizador, ele surge também como produtor, argumentista e montador — e, por fim, compositor, através da partitura que acrescentou às cópias com que o filme foi reposto em 1972.


É verdade que tal pluralidade de funções não era uma novidade na trajectória de alguém que filmava regularmente desde 1914, nesse mesmo ano começando a escrever e dirigir a maior parte das suas curtas-metragens. Mas não é menos verdade que encontramos aqui uma sosfisticação do melodrama que se imporia como matriz de alguns dos momentos essenciais da filmografia de Chaplin — lembremos apenas o exemplo "tardio", mas essencial, de "Limelight / Luzes da Ribalta" (1952).

A história do vagabundo que acolhe um menino abandonado — interpretado pelo inesquecível Jackie Coogan (1914-1984) — envolve essa fusão exemplar da precisão austera do detalhe realista com a sofisticada abstracção da parábola universal. Daí que o reencontro com "The Kid", por certo uma redescoberta de um passado artístico de ouro, seja também uma celebração do poder presente do cinema. Amen.

Crítica de João Lopes actualizado às 21:16 - 10 dezembro '21
publicado 21:14 - 10 dezembro '21

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