Cinema Brasileiro • Box Office
Cinema brasileiro: retoma ou oportunidade perdida?
A coincidência pouco comum de estrearem três filmes brasileiros em Portugal no período de um mês justifica uma vista de olhos ao estado do cinema no outro lado do Atlântico.
Durante décadas o cinema no Brasil viveu à margem dos grandes sucessos norte-americanos. Embora nomes como Glauber Rocha ou Cacá Diegues tenham contribuído para dar grande prestígio à cinematografia brasileira, dentro do país o público continuava a ignorar os filmes nacionais.
A criação da Embrafilme, em 1974, permitiu canalizar dinheiro público para a produção de forma organizada. Este modelo controlado pelo Estado permitiu o aparecimento de alguns êxitos comerciais durante os anos 70 e o início da década de 80. Títulos como "Dona Flor e Seus Dois Maridos" de Bruno Barreto ou "Dama de Lotação" de Neville de Almeida, foram grandes sucessos de bilheteira por essa altura.
Tudo mudou com as novas leis do presidente Collor de Mello que levaram à extinção do organismo governamental. O fim da Embrafilme causou o colapso do sistema de produção brasileiro totalmente dependente de subsídios e nos primeiros anos da década de 90 só uma mão-cheia de filmes brasileiros estreou nas salas.
Foi preciso chegar a 1995 para que a actriz e realizadora Carla Camurati conseguisse juntar dinheiro suficiente para produzir "Carlota Joaquina". O êxito do filme marcou o início da retoma do cinema brasileiro.
Novas leis de incentivo ao financiamento privado permitiram reduções nos impostos para empresas e majors norte-americanas que investissem na produção local.
Nos anos que se seguiram o cinema brasileiro voltou a ganhar destaque internacional. "O Quatrilho" de Fábio Barreto, em 95 e "O Que É Isso Companheiro" de Bruno Barreto, em 97, foram nomeados para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Em 98, "Central Brasil" de Walter Salles além da nomeação pela Academia recebeu ainda um Globo de Ouro e foi premiado com o Urso de Ouro no festival Berlim.
Recentemente, as temáticas sociais e a violência urbana assumiram grande importância. Filmes como "Cidade de Deus", "Carandiru" ou "Tropa de Elite" tiveram grande sucesso junto do público e revelaram um outro lado do cinema brasileiro.
Partilhado ilegalmente através da Internet ainda antes da estreia nas salas, o filme sobre a unidade especial da polícia encarregue de agir nas favelas do Rio foi mesmo assim visto por quase dois milhões e meio de espectadores pagantes.
É nesta nova linha de cinema mais urbano e virado para o presente que podemos enquadrar os três filmes brasileiros que chegam ás salas portuguesas nesta Primavera.
A história de Sandro do Nascimento que sequestrou um autocarro e tomou os passageiros como reféns foi vista em directo na televisão, deu origem a um documentário e agora a um filme.
Estreado no Brasil em 2008, "Autocarro 174" (leia e ouça a crítica de Lara Marques Pereira) foi visto por meio milhão de espectadores. Um resultado mediano, longe dos outros filmes do género. Foi lançado nas salas portuguesas a 2 de Abril.
No início de Maio vai estrear "Cidade dos Homens" de Paulo Morelli, versão para cinema da série de televisão com o mesmo título e um regresso aos temas e personagens de "Cidade de Deus". Deste grupo de três filmes foi o que melhor recepção teve no Brasil: mais de dois milhões de bilhetes vendidos.
"Linha de Passe", o novo filme de Walter Salles, é a mais recente estreia brasileira em Portugal
O terceiro filme brasileiro a estrear no nosso país durante este mês é "Linha de Passe", uma história que mistura futebol, pobreza e esperança. Do realizador Walter Salles, o mesmo de "Central Brasil", "Linha de Passe" foi visto no Brasil por mais de um milhão de espectadores.
Apesar desta retoma, iniciada em meados dos anos 90, o cinema brasileiro continua a sofrer de algumas doenças que teimam em não desaparecer.
A dependência do cinema no Brasil tem rodado entre o apoio estatal dos tempos da Embrafilme, as empresas privadas e a toda-poderosa Globo.
Continua a faltar uma indústria cinematográfica. Uma estrutura sólida que permita gerar e reinvestir capitais de modo sustentável.
Os sinais de alerta estão aí: em 2003 o cinema brasileiro teve 21% de quota de mercado no seu país. Em 2007 esse valor desceu para 11,6%.