Timothée Chalamet e Rebecca Ferguson: que espectáculo em tempo de super-heróis?


joao lopes
21 Out 2021 23:49

Seja qual for a nossa avaliação de "Duna", de Denis Villeneuve, o mínimo que se pode dizer é que esta nova versão do romance de Frank Herbert ficará como um momento emblemático das convulsões que, nos últimos anos, têm agitado o planeta cinematográfico. E escusado será lembrar que a versão de 1984, assinada por David Lynch, além de intrinsecamente diferente, surgiu num contexto de produção e difusão sem paralelismo possível com a nossa actualidade.

Porquê? Porque "Duna" surge no coração de uma encruzilhada que, sendo narrativa e estética, é também eminentemente industrial e comercial. Podemos mesmo perguntar: será que uma performance fraca junto dos espectadores vai impedir a conclusão que Villeneuve sempre desejou, isto é, a segunda parte da história de Paul Atreides e do planeta Arrakis?

A dúvida enreda-se com o facto de, no mercado dos EUA, "Duna" surgir em simultâneo nas salas e numa plataforma de streaming, a HBO Max. Há quem considere (a meu ver, com toda a pertinência) que essa simultaneidade parece querer dizer aos espectadores “fiquem em casa, não vale a pena irem às salas”…

Não admira, assim, que, de forma mais ou menos consciente, todo o projecto se apresente como "mensageiro" de um drama estrutural: como garantir a sobrevivência do espectáculo cinematográfico — e, sobretudo, do espectáculo cinematográfico nos grandes ecrãs das salas escuras — sem ser enredado nas muitas rotinas de produção (rotinas temáticas, rotinas técnicas, rotinas narrativas) que os super-heróis impuseram às plateias de todo o mundo?

Ambição não faltou a Villeneuve e à sua equipa. Dois elementos são sintomáticos disso mesmo: a imponência da concepção cenográfica, a cargo do colaborador habitual Patrice Vermette, e a pompa (talvez demasiada pompa) da música de Hans Zimmer, um talentoso especialista deste tipo de aventuras. Infelizmente, fica-se com a sensação de que a ostentação de tudo isso acontece em detrimento do essencial. Ou seja: a saga familiar e política do jovem Paul Atreides, talvez o messias que pode salvar o planeta Arrakis — isto sem esquecer que me parece, embora muito boa gente pense o contrário, que falta a Timothée Chalamet intensidade e fôlego para sustentar personagem tão complexa e carismática.

O resultado tem qualquer coisa de paradoxal, sedutor e frustrante: a ostentação "visual" acontece em detrimento da valorização da história, dos seus contrastes, ramificações e enigmas. Como se o conceito épico — que ligaria o filme aos valores mais essenciais da imaginação de Frank Herbert — tivesse sido parasitado pela ostentação dos meios. Em resumo: uma produção a que sobra em exuberância "decorativa" aquilo que lhe falta em trabalho sobre as personagens e as suas relações.

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