Kirill Kashlikov e Isabel Ruth — pelos caminhos que vão dar a Treblinka


joao lopes
14 Jul 2017 1:48

Mais do que nunca, a discussão sobre as fronteiras, ou as contaminações, entre documentário e ficção está na ordem do dia. Acima de tudo, importa manter o olhar disponível e o pensamento aberto — não se trata de escolher um em vez do outro, muito menos um contra o outro, mas de compreender como a própria evolução do cinema criou novas matrizes de expressão em ambos os territórios.

Vencedor da competição nacional no Indie Lisboa 2016, "Treblinka", de Sérgio Tréfaut, aí está como um objecto modelar no interior dessa discussão. Mais do que isso: estamos perante um trabalho de encenação que se coloca, muito conscientemente, num ponto em que os mecanismos típicos da ficção se combinam, com exemplar rigor, com as matrizes mais tradicionais da escrita documental.
Trata-se, então, de evocar o Holocausto e, mais especificamente, o campo de extermínio de Treblinka. A partir de uma dualidade, ou melhor, de uma dialéctica tão simples quanto perturbante: por um lado, as personagens interpretadas por Isabel Ruth e Kirill Kashlikov viajam de comboio, pelo Leste europeu, retomando as vias dos comboios que transportaram muitos milhares de vítimas para os campos construídos pelos nazis; por outro lado, as palavras de Chil Rajchman, sobrevivente de Treblinka, repõem a intensidade trágica de memórias que importa preservar.
Documentário ou ficção? Dir-se-ia que algo acontece para lá desses dois termos. Como se o cinema contemporâneo (alguns filmes contemporâneos, entenda-se) arriscassem discutir as próprias bases do fundamental efeito de real. É, afinal, uma via fulcral para discutir também o naturalismo equívoco, supostamente transparente, tantas vezes canalizado por muitas mensagens televisivas — o cinema sabe pensar para lá desse naturalismo.

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