Emir Kusturica, actor e realizador — ver, rever e questionar a história recente dos Balcãs


joao lopes
30 Dez 2016 23:39

A obra cinematográfica de Emir Kusturica pode ser vista como uma incessante viagem de regresso ao mapa de um país utópico. Dito de outro modo: nascido em Sarajevo, em 1954, ele tem contado histórias e evocado tragédias que são indissociáveis do fim da Jugoslávia e do complexo processo social, político e militar que tem marcado a evolução dos Balcãs nas últimas décadas.

O seu fillme mais recente, "Na Via Láctea", é um prolongamento lógico e coerente da sua filmografia, por assim dizer cruzando o realismo das referências com a criação de uma ambiência narrativa em que o cinema se aproxima da magia e do fantástico. E não deixa de ser sintomático que o próprio Kusturica tenha decidido interpretar a personagem central.
Descobrimo-lo, assim, como uma figura frágil e pitoresca que tenta manter a sua rotina — é ele que, no seu burro, distribui leite na zona rural em que vive —, num contexto em que a violência dos conflitos é cada vez mais assustadora. Mais do que isso: o seu encontro com uma mulher italiana, interpretada por Monica Bellucci, vai reavivar a noção romântica de que o amor (talvez) possa superar a guerra…
O que torna o universo de Kusturica tão diferente e perturbante é o facto de ele se afirmar como um cineasta histórico, embora o seu gosto estético, de tão exuberante, se possa considerar operático. "Na Via Láctea" ecoa, assim, filmes como "O Pai Foi em Viagem de Negócio" (1985), "O Tempo dos Ciganos" (1988) ou "Underground" (1995) — este é um cinema que, mesmo perante a eclosão do trágico, não recusa a sensualidade do espectáculo.

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