Filmar por dentro o que se vê por fora

Antevisão "Complexo: Universo Paralelo"  

Filmar por dentro o que se vê por fora

O quotidiano do Complexo do Alemão, está em exibição nas salas de cinema pelas mãos de dois irmãos: Mário e Pedro Patrocínio, um realizador, o outro director de fotografia.

No âmago de um dos maiores aglomerados de favelas do Rio de Janeiro, a pobreza, o crime e a esperança habitam lado a lado. O quotidiano do Complexo do Alemão está em exibição nas salas de cinema pelas mãos dos irmãos Mário e Pedro Patrocínio.

"Por amor", foi o ponto de partida para três anos de vivências dentro das favelas. O título de um vídeo-clip, para o qual Mário e Pedro foram convidados a rodar no Complexo. O contacto com os habitantes acabou por levar os dois irmãos a sentirem uma necessidade: mostrar o lado humano da comunidade.

"Complexo" abre a janela da cidade dentro da cidade, um conjunto de 12 favelas do Rio, que representam para o realizador um condado gerido por um outro poder, onde quem mais manda são os "senhores" do tráfico. O universo paralelo é desfiado no filme como um novelo.

Os casos

Quatro habitantes são filmados no dia-a-dia. Cada história é uma narrativa distinta, que faz um todo. Dona Célia, Seu Zé, Mc Playboy e o tráfico, sem rosto, são as personagem que ao longo do documentário cruzam as múltiplas realidades das favelas.

Dona Célia é uma mãe desempregada com 8 filhos e a "luta" constante por uma vida melhor. Sentiu a fome na pele, foi estigmatizada, carrega nos ombros o peso do mundo ao gerir uma família sem estrutura. O rosto de uma mulher marcada pelo passado, agarrada à fé e o alento para uma nova conquista "mostrou o caminho" ao realizador. Para Mário Patrocínio Dona Célia é uma vencedora.

Seu Zé, o líder comunitário, presidente da Associação de Moradores, que assistiu à construção do Complexo, surgiu aos olhos do cineasta como outro dos símbolos do filme. Seu Zé representa a consciência social, ao defender os interesses da favela junto do poder politico, e a dedicação pela causa comunitária, fazendo a diferença em prol dos que o rodeiam.

Mc Playboy, músico, expressa a vertente cultural. É a imagem de um percurso que se afasta da criminalidade, ao alcançar os mesmos objectivos. Mc Playboy veste roupas de marca através do funk e da convicção, assume um papel de exemplo para a nova geração de moradores, ao provar que há alternativas viáveis.

O tráfico, é identificado pelas vozes dos que escolheram o crime. Os relatos são feitos sem arrependimento e a cru, em torno das drogas e das armas. A criminalidade foi para muitos um caminho sem opções, num tecido social assente sobre alicerces fragilizados.

Mário Patrocínio filmou a vida e a morte, nas palavras dos traficantes e uma das maiores operações militares das forças brasileiras dentro do Complexo. A maioria dos que participaram no filme já morreram. Um está esaparecido, outro preso.

Mudança

Realizar o filme nas favelas transformou os dois irmãos. Mário Patrocínio assume que mudou "na forma de estar, de ser e de olhar para a vida". Está mais consciente e também amargo.

A ligação ao Complexo do Alemão permanece. O realizador criou um projecto com a Organização Não Governamental, Terra dos Sonhos, como o objectivo de fazer a diferença. A parceria envolve áreas como a formação profissional, tendo em vista a criação de ferramentas e novos lideres dentro da comunidade.

Mário Patrocínio espera que o filme seja um contributo para a mudança positiva do Complexo, onde "tudo começou por amor".

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publicado 22:56 - 13 janeiro '11

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