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Filmar, sobreviver

Waad Al-Kateab filmou a sua experiência, e da sua família, no cenário ameaçado da cidade de Alepo: "Para Sama" é um exemplo excepcional do modo como o cinema nos pode dar a conhecer um contexto trágico de guerra e sobrevivência.

Filmar, sobreviver
Waad Al-Kateab e a sua câmara: registar, dar a ver, sobreviver
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 Filmar, sobreviver
Para Sama "Para Sama" é simultaneamente uma viagem íntima e épica pela experiência feminina da guerra. Uma carta de amor de uma jovem mãe para a sua filha, o filme conta a história de vida de Waad al-Kateab durante cinco anos de revolta em Alepo, na Síria, ao mesmo tempo que se apaixona, se casa e tem a filha Sama, tudo enquanto o conflito devastador cresce à sua volta.A sua câmara captura histórias ...

O menos que se pode dizer de um filme como "Para Sama" é que com ele, e através dele, somos levados a olhar o mundo para além da agitação mediática em que vivemos — ou somos compelidos a viver. Por uma vez, temos a percepção da guerra na Síria, não como um clip de 50 segundos sustentado por uma voz off, antes como uma vivência tragicamente peculiar.

Waad Al-Kateab e o seu marido, um médico da cidade de Alepo, decidiram permanecer na sua residência até ao limite do (im)possível, mesmo depois do nascimento da sua filha Sama. Daí o primeiro e fundamental valor de testemunho — trata-se de escrever/filmar uma carta dirigida à própria filha, doando-lhe o capítulo fundador da sua história pessoal.

Daí também a singularidade narrativa e simbólica de "Para Sama". Em vez da aceleração demonstrativa de uma notícia televisiva, descobrimos aquilo que, por desencantada ironia, não deixa de ser um "home movie": Waad Al-Kateab, com a colaboração de Edward Watts (que com ela partilha a assinatura da realização), filma os habitantes de uma casa ameaçada, mas tocada por uma contagiante energia vital.

A intensidade de "Para Sama" é tanto maior quanto todas as situações — desde os corpos que deixam rastos de sangue no chão do hospital, até aos momentos de paradoxal humor partilhados pelos sobreviventes — emergem de uma experiência exposta na sua singularidade humana. Grande documentário? Sim, sem dúvida, mas não encerremos a nossa visão num espartilho de "género" — grande cinema.

Crítica de João Lopes
publicado 00:08 - 08 março '20

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