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François Ozon, ou a arte de um humanista

Foi um dos grandes filmes de Cannes 2021: centrado num velho senhor que quer ter uma morte assistida, "Correu Tudo Bem" confirma François Ozon como um criador marcante do cinema francês.

François Ozon, ou a arte de um humanista
Sophie Marceau, Géraldine Pailhas e André Dussollier: a singularidade de um drama humano
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 François Ozon, ou a arte de um humanista
Correu Tudo Bem Quando André, de 85 anos, sofre um AVC, Emmanuèle corre para junto do pai. Na sua cama de hospital, doente e com metade do corpo paralisado, André pede à filha que o ajude a por fim à sua vida. Mas como poderá Emmanuèle honrar tal pedido quando se trata do seu próprio pai?

Quando olhamos para a já longa filmografia de François Ozon (ele consegue manter a média de um novo trabalho em cada ano), não podemos deixar de reconhecer a versatilidade de um verdadeiro artesão — do gosto pelos textos teatrais ("Gotas de Água sobre Pedras Escaldantes", 2000) ao melodrama histórico ("Frantz", 2016), do musical ("8 Mulheres", 2002) ao fresco social ("Graças a Deus", 2018).

No seu novo filme, "Correu Tudo Bem", um dos títulos marcantes da última edição do Festival de Cannes, descobrimo-lo a experimentar os caminhos do drama intimista mais radical. Em termos simples, esta é a história de um velho senhor (André Dussollier) que, depois de ter sofrido um AVC, quer envolver as suas filhas (Sophie Marceau e Geraldine Pailhas) na sua vontade final: uma morte assistida.

Nada a ver, entenda-se, com uma "tese" sobre a eutanásia. Ozon é peremptório em evitar qualquer generalização ou "deslocação" do seu filme para o domínio do panfleto político: "Correu Tudo Bem" centra-se num grupo restrito de personagens, desenvolvendo-se como um drama humano absolutamente singular.

Daí o paradoxo que o filme consegue manter: a perturbação inerente às suas matérias não impede, antes pelo contrário, um contido humor que contamina muitas situações. No limite, este é um filme de desmistificação da morte, ou melhor, de enfrentamento da morte como componente natural, ainda que indizível, do movimento da vida — de Renoir a Truffaut, Ozon é um herdeiro dos grandes humanistas do cinema francês. 

Crítica de João Lopes
publicado 00:21 - 31 dezembro '21

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